Declínio e Beleza do Amor em “Love” e “Lua de Fel”

No polêmico filme “Love”, exibido em Cannes-2015, o diretor Gaspar Noé (do excelente e intenso “Irreversível”) apresenta cenas de sexo explícito, longas e variadas. Ainda fico extremamente impressionado como o sexo segue sendo um assunto bombástico, inevitavelmente. Q seja mobilizante, ok. Mas sempre polêmico e causando alvoroço já acho over – tanto pros q elogiam o filme-sensação da vez, quanto pros q criticam.

Desde os tempos da obra-prima “Último Tango em Paris” (1972), passando pelo fraco e superestimado “Império dos Sentidos” (1976), pelo muito bom “Calígula” (1979), até os excelentes “Ninfomaníaca” e “Azul é a Cor Mais Quente” (ambos de 2013), e agora o ótimo “Love” (2015), o sexo ainda segue chocando até a plateias não moralistas. Pq o sexo não pode ser apenas um elemento especial ou interessante, mas não o centro cataclísmico do nosso impacto num filme? Se o sexo roubar a cena AUTOMATICAMENTE, nossa subjetividade, por vários motivos, terá se tornado automática. No mínimo, um desperdício de potencial. A sexualidade pode ser poética, inspiradora, eloquente, lasciva, criativa, suave, pulsante, etc. Mas se for “automática”, neste sentido aqui proposto, aí soa triste e pobre.

Retomando “Love” como um todo, sem diminuir nem aumentar a importância da sexualidade, mas apenas devolvendo seu lugar de um dos elementos relevantes neste filme, me parece q o tema forte é a ascensão e o declínio do amor, em tons agudos. O diretor estuda detalhadamente a importância de sexo, amor e fidelidade para cada personagem. E o faz de forma artística, talvez com alguns micro excessos, nada grave.

Somos levados a acompanhar as diferenças de gênero durante os dilemas dos protagonistas na sustentabilidade do amor. As promessas sinceras, de validade curta. O brilho no olhar, agonisticamente em queda livre e lenta. O desespero dos amantes, q fazem de TUDO para tentar segurar o amor, em seu irremediável declínio. Se é amor ou paixão o q fenece, escolho não entrar nesta seara. Acho q é amor sim, neste filme, a título de nota apenas.

A referência mais direta de “Love” é o clássico “Lua de Fel” (Polanski, 1992). As desesperadas artimanhas sexuais de um casal desempregado, extasiado ante à luxúria e ao amor, desempenham igual papel nas duas obras. A tragédia final é o destino óbvio de uma intensidade purista q exige sustentação sem concessões, numa rota de sempre mais além, custe o q custar. E custa. Não é q os protagonistas não tentem uma “dobra sobre si” (como propõe o filósofo Deleuze), porém não sabem como procurar, nem onde. Certamente não seria indo às compras num “sex shop de gente”, tentando ménage, orgia, ou um travesti. O resultado: ofensas, ódio, e as lágrimas da melancolia, “à sombra do amor perdido” (parafraseando Freud, em “Luto e Melancolia”).

A violência, mais leve em “Love” do q em “Lua de Fel” ou em “Irreversível” (também sobre um amor não sustentado, ainda q numa tragédia mais pontual), parece até uma “dor q não dói”, por ser uma violência-substituto de uma dor muito mais insuportável. Lembro dos anos em q trabalhei em clínica psiquiátrica, onde muitas vezes ouvi pessoas dizendo q cortavam os pulsos “para atenuar a dor da alma”, ou a “dor de existir”. Daí, portanto, a morte – concreta ou não – parece ser talvez um descanso impotente, uma crônica de uma morte anunciada, citando Gabriel Garcia Márquez.

A discussão última fica na questão apresentada ao fim de “Lua de Fel”, quando Peter Coyote (paralítico) diz à sua esposa: “Nós fomos longe demais, baby.”, logo antes de matá-la e a si. É essa a questão? Ou é a outra frase, no mesmo filme: “Os casais deviam se separar no auge da paixão, e não esperar até o inevitável declínio.”?

Em “Réquiem para um Sonho” (2000) e em “Os Sonhadores” (2003), a discussão aponta para a prévia ingenuidade do sonho e dos sonhadores. Tragédia sempre anunciada. Em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004), o roteiro aponta para o mito de Sísifo (discutido no livro de Albert Camus), onde estaríamos fadados a conduzir nossas paixões ladeira acima, mesmo sabedores da tragédia de q a pedra sempre cairá ladeira abaixo no fim.

Excesso, ingenuidade, condição da humanidade… Para onde aponta o declínio da beleza amorosa?

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