“”Coringa”, a Sátira do Riso Livre

Para além do personagem antagonista do Batman, Coringa é José da Silva, ou seja, qualquer um.
Alguém tão comum, que chega a não existir.
O sistema o apagou, e ninguém se lembra dele.
Viveu “preso do lado de fora”, como diria Solal Rabinovitch (psicanalista lacaniana), foracluído do sistema, algo que se tornou seu único “crachá” (“Perdão, eu rio fora de hora.”), seu sobrenome-do-pai, uma suplência de inclusão na ordem social.

De tanta opressão subjetiva, de tanto ser espremido, nasce o Coringa.
A figura do Anti-Herói seria uma “acne do sistema”, um efeito da tentativa de eliminação do mundano. De tanto dessubjetivar José, só restaria Ninguém.

A construção de um Coringa a partir de um Zé Ninguém é um dos maiores brilhantismos do roteiro deste filme.

À “desentificação” reage a “entificação”, isto é, a pulsão de morte – “pulsão por excelência”, segundo Lacan -, exige trabalho subjetivo.
À esta exigência, nasce o Coringa enquanto resistência (no sentido de força, como propõe o filósofo Foucault).

A afirmação do Coringa não é apenas contra a opressão das autoridades, ou de uma casta burguesa. A luta é contra qualquer repugnância à diferença, como na cena do ônibus, onde o protagonista é desqualificado por uma senhora negra aparentemente de classe baixa que “protegia” seu filho da estranheza, feia como tudo aquilo que não é espelho.

Coringa entra, então, pelo furo/buraco do sistema, provocando efeito crescente, assim como o vírus que enfrentamos em tempos de pandemia. “Suja a canastra” (como o curinga do baralho), mas “bate” no sistema e “pega o morto”, ou seja, reúne todas as cartas abandonadas do baralho e pode virar o jogo a seu favor.

O poder vigente agora teme a horda dos José Ninguém. A cidade é temporariamente tomada (mas não controlada, pois há desordem e não uma nova ordem), o caos se espalha como um grande bug.

O emblema do “sorriso fora de hora” agora representa o sorriso demoníaco, o fantasma da desordem da vida cotidiana, o fantasma do riso livre.
Adaptando do filósofo Kierkegaard (“Diário de um Sedutor”), o maior presente que se pode oferecer a alguém é o seu próprio constrangimento.
Este é o presente de grego do Coringa à sociedade.

No filme “Em Busca da Terra do Nunca”, o autor criativo percebe que a única forma de inserir uma nova linguagem teatral em um sistema viciado seria colocar “uma criança a cada dez assentos” na noite de estreia. Sua proposta é exatamente um efeito disruptivo na repugnância à diferença. O horror à mudança talvez cedesse, fraquejasse ante a liberdade de uma criança.

Nessa história de Peter Pan, a ternura incita a revolução; já no “Coringa”, é a agressividade, a sátira perversa (no sentido psicanalítico, não enquanto maldade) que faz o mesmo papel.

Os ratos de Gotham City saem dos esgotos, rebelando-se contra a morte induzida por Cloroquina. O grito desesperado é por dignidade humana, por legitimar sua existência, seu direito a habitar a Terra sem pudor. Sem licença, eles vão à luta. Luta inglória, êxito fugaz. “Vitória de Pirro”? Não. A vitória aqui tem um efeito maior. Efeito de redenção. “Efeito de sujeito”, como sustenta o psicanalista Contardo Calligaris em uma pensabilidade lacaniana.

Nesse ponto, talvez repouse o cerne da revolução do Coringa: a redenção do efeito de sujeito. O instante épico está muito além da vitória num sentido estrito. O triunfo aqui tem efeito subjetivante, deixa resíduo eterno. Mais do que mártires sociais, os Coringas naquela noite obtiveram uma identidade própria, no sentido mais íntimo do termo. Asseguraram um lugar subjetivo, não passível de expropriação. Dali, ninguém mais os tira. Estão, enfim, presos do lado de dentro.

Dicas pra quarentena na Netflix

Abstinentes de Cinema, restam-nos algumas opções, sendo a Netflix a mais rapidamente acessada. O grande problema é q esta é uma plataforma muito boa para séries, porém muito fraca para filmes, especialmente os considerados “de arte”. Buscando as boas exceções, eu quis ocupar um tempo selecionando-as para quem se interessar.
Aqui vão, sem ordem de preferência, e misturados os hollywoodianos com os mais diferenciados:

– “Assunto de Família”: Excelente!! Sensibilidade ímpar, beleza rara. O retrato de uma “família”, onde o afeto é o protagonista, e os adultos ensinam “o q sabem”, para além das óbvias implicações educacionais para as crianças. Muito para além do maniqueísmo do politicamente correto, o grande diretor japonês Hirokazu Kore-Eda (do duríssimo e também excelente “Ninguém Pode Saber”) apresenta um drama inequivocamente comprometido com as verdades do submundo da miséria, as leis do cotidiano q vive a despeito de políticos, policiais e assistentes sociais. A transgressão aqui corresponde não apenas ao risco, a um posicionamento na contracultura, ou a uma glamourização do poder vivenciado pelo transgressor, mas sim a uma saída pró-Eros, uma resistência sem retóricas, uma assunção do afeto como lei central, custe o q custar (como a discussão de Almodóvar em “Fale com Ela”). Atuações brilhantes, imperdível. Ver mais no post “Só o Afeto Interessa (‘Assunto de Família’)”, no blog “psicanalisenocinema.com”.

– “O Poço”: Ótima discussão, roteiro simples e muito interessante. Na mão de um Aronofsky, ficaria uma obra-prima.

– “O Cidadão Ilustre”: Obra-prima. Os diretores argentinos acertaram de ponta a ponta: construção de roteiro perfeita, argumento consistente, tensão crível, humor ácido e inteligente, e atuação impecável do excelente protagonista Oscar Martínez. Brilhante.

– “XXY”: Maravilhoso filme sobre uma adolescente hermafrodita. Sensibilidade rara. Ricardo Darín, como sempre, ótimo.

– “A Noite de 12 Anos”: Emocionante! A história real de José Mujica e outros 2 companheiros de militância contra a ditadura uruguaia, presos e torturados por mais de 1 década. As condições de sobrevivência física e emocional são postas em detalhes, especialmente os episódios psicóticos – alucinações e delírios – do protagonista, q mais tarde se tornaria presidente do país. Na sessão a q assisti, a plateia aplaudiu gritando “Bravo!”, a ponto do segurança ir conferir se era briga. Imperdível.

– “El Pepe”: Doc sobre Mujica, pra quem se interessa pela história não maniqueísta do líder uruguaio.

– “O Som ao Redor”: Obra-prima máxima de Kleber Mendonça Filho. O olhar sensível sobre o entorno (o real protagonista do filme) é extremamente singular.

– “Estou me Guardando para quando o Carnaval Chegar”: Excelente! A direção de Marcelo Gomes (da obra-prima “Cinema, Aspirinas e Urubus”) extrai arte pura de cada detalhe da cidade de Toritama, interior de Pernambuco. O crescimento da cidade é filmado à perfeição, através do processo de consecução de jeans, produto responsável por uma revolução ali. Onde antes tudo era rural – agricultura e pecuária de subsistência -, agora são trabalhadores, a maioria autônomos ou ganhando por bônus de produtividade. Em q pese a óbvia crítica às explorações do Capitalismo, os personagens deste doc assumem suas escolhas, e ainda circulam todo o ganho no sonho do Carnaval nas lindas praias de Alagoas. Imperdível.

– “Com Amor, Van Gogh”: Excelente! 100 pintores desenharam esta obra, contando a história real e as especulações sobre a morte de Van Gogh. O estilo de pintura é como se o próprio artista tivesse realizado esta animação; além disso, a história é ambientada nos cenários dos quadros do holandês. Extremamente triste, o filme enfatiza a solidão e a culpa crônicas de Van Gogh. Imperdível.

– “A Senhora da Van”: Maravilhoso. Um tratado brilhante sobre errância psicótica. Atuações SOBERBAS dos 2 protagonistas Maggie Smith e Alex Jennings. O filme e os atores mereceriam todos os prêmios possíveis. Direção irretocável de Nicholas Hytner. Imperdível!

– “Elena”: Obra-prima de máxima sensibilidade de Petra Costa, a melhor diretora brasileira da atualidade. Filme radicalmente autoral, para além de ser um doc autobiográfico. O atravessamento de sua dor pela perda da irmã Elena é vivido visceralmente, sem concessões, até q possa, enfim, voltar a respirar. Petra filma à perfeição, tanto dor, quanto amor, melancolia (da mãe) e a própria sublimação de seu fantasma.

– “Cinema, Aspirinas e Urubus”: Obra-prima de Marcelo Gomes, com João Miguel brilhante, como sempre.

– “Olmo e a Gaivota”: Praticamente uma obra-prima. Após estrear na direção com o incomparável “Elena”, Petra Costa consolida seu lugar no cenário mundial com este “semi-documentário” – todo falado em francês. Sempre consistente, o filme emociona progressivamente até seu ápice, num belo e singelo acabamento.

– “A Grande Aposta”: Ótimo, bem acima das expectativas, para um filme tão hollywoodiano. Christian Bale, um dos melhores atores do mundo, protagoniza uma aula de história e economia com excelentes pitadas de ironia – lembrando um pouco “Super Size Me” – dirigida à estupidez do americano típico, para além de seu “nível social”. A fanfarronice fálica dos americanos é levada às raias do patético. Steve Carell está magistral em sua atuação. Merecia o Oscar de Melhor Filme.

– “Invocação do Mal” / “Sobrenatural” / “Annabelle”: Ótimos filmes. Pra quem gosta do gênero terror/suspense, James Wan é o melhor diretor da atualidade. Seu toque garante sustos e entretenimento de qualidade a todas as histórias q pega.

– “Prenda-me se For Capaz”: Maravilhoso. DiCaprio e Tom Hanks dançam numa alegoria sobre a perversão errante.

– “Moonlight”: Incrível. Denso nas discussões sobre a solidão do protagonista, complexo na construção de sua homossexualidade, abrangente no mérito de usar uma linguagem palatável até mesmo ao limitado e viciado universo hollywoodiano. De grande qualidade artística, atuações excelentes, fotografia precisa. Destaque para a belíssima cena final, desde q o protagonista tira sua dentadura dourada, até encostar no peito de seu amigo/paixão.

– “Divertida Mente”: Uma das melhores animações de todos os tempos. Filme para adultos, com um roteiro brilhante.

– “Monty Python”: Todos obras-primas para se rever. Considero o melhor humor de todos os tempos.

– “A Origem”: Obra-prima de Christopher Nolan, sempre com as distorções temporais como núcleo temático.

– “O Poderoso Chefão”: Eternamente deliciosa trilogia para se rever.

– “Forrest Gump”: Obra-prima. Fábula sobre a psicose errante. Versão hollywoodiana de “Zelig”, de Woody Allen.

– “Sociedade dos Poetas Mortos”: Clássico inesquecível, hiper sensível. Papel-mor de Robin Williams.

– “O Profissional”: Excelente policial de Luc Besson sobre um matador profissional (Jean Reno), sem sentimentos ruins, nem bons (perversão errante), até conhecer uma menina (Natalie Portman).

– “Eu, Daniel Blake”: Muito bom. O filme começa excelente, expondo o drama de um senhor recém infartado, preso nos bizarros corredores de uma burocracia kafkiana – não pode trabalhar, nem receber seu auxílio do governo. Flertando com a fome, o frio, a agressão e a loucura, o protagonista agoniza sempre numa fleuma britânica. Do meio pro final, o diretor Ken Loach resvala no melodrama e perde um pouco a mão de sua obra, uma espécie de “relato selvagem” novelesco.

– “Pulp Fiction”: Clássico Tarantino, estética ímpar.

– “O Filme da Minha Vida”: Ótimo! O filme começa apenas ok, cresce muito ao longo da projeção, até encerrar com maestria. Selton Mello (de “O Cheiro do Ralo”), o melhor ator do país, vai muito bem como diretor (como em “O Palhaço”), ainda q naturalmente possa evoluir nesta função. Ótimas frases, atuações em muito bom nível, destaque para o personagem do próprio Selton.

– “Senhor dos Anéis”: Obra-prima de referência para todos os amantes do gênero.

– “Seven”: Ótimo suspense/policial.

– “Um Dia a Casa Cai”: Humor leve e despretensioso.

– “Curtindo a Vida Adoidado”: Clássico dos anos 80, outra comédia leve.

– “Dia de Treinamento”: Para quem deseja um filme de ação e adrenalina, despretensioso e bom.

– “Gênio Indomável”: Hollywoodiano, com Robin Williams e Matt Damon.

– “Up – Altas aventuras”: Ótima animação, super sensível.

FESTIVAL DO RIO 2019 (Dicas por estrear)

Aqui vão os destaques de todos os filmes a q assisti neste Festival do Rio 2019, começando pelos q mais me impactaram (os que já entraram no circuito, eu excluí):

1) “O que Arde”: Obra-prima impressionante do diretor francês Oliver Laxe. Atuações irretocáveis de um personagem ex-detento (incendiário) e sua mãe, moradores da Galícia, interior da Espanha. Fotografia perfeita, relações de uma eloquência silenciosa e extremamente sensível entre eles e com o entorno. O interior da casa, os animais e a fazenda, os moradores do vilarejo, todos são representados através de um olhar singelo no nível do melhor do cinema mundial da atualidade. O filme do ano. Prêmio do Júri na mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes 2019.

2) “O Diabo Está entre as Pernas”: Ótimo. Fotografia e atuações incríveis, drama e humor bem entrelaçados. 3 pessoas “vivendo” numa melancolia crônica, com traços e fetiches perversos. A sexualidade na 3a idade é muito bem apresentada.

3) “O Primeiro Adeus”: Sensível e primoroso. No desértico noroeste da China, famílias vivem em condições precárias, porém bastante unidas. Os protagonistas – crianças em torno de 10 anos de idade – insistem em brincar, apesar das responsabilidades precoces.

4) “O que Vão Dizer”: Bom. Drama de choque de culturas de uma menina paquistanesa vivendo na Noruega. A “ocidentalização” e o estilo transgressor de seus comportamentos impõem punições definitivas.

Os Melhores Filmes de 2019

Como já coloquei noutros textos deste blog, sempre resisti à ideia de fazer este tipo de lista dos “melhores”. Achava q isso não serviria para praticamente nada, apenas um exercício de vaidade pública. Mudei de ideia, hj penso q pode ser apenas uma troca de experiências e sensações, prazerosa e despretensiosa.

Listar os melhores filmes sempre provoca justos questionamentos, como: “Faltou tal filme!!”. Enfim, só o q sempre resta é fazer algo pessoal. Então, o critério aqui será: os 12 q mais me <strong>afetaram</strong>, <strong>impactaram</strong>. Não vou discutir aspectos técnicos, nem qualidade artística do diretor ou das atuações, especificamente. Tudo ficará incluído nesta categoria escolhida, nomeada “afetação/impacto/atravessamento”. Também não vou me preocupar caso a data exata de lançamento fora do Brasil for de um ano anterior. Por último, “Por que 11 filmes e não 10, ou 15?”: pq este número acabou sendo resultado dos q não consegui excluir. Os restantes q também adorei estão na Grande Lista (ler mais no post <strong>”Grande Lista de Filmes (atualizada constantemente)”</strong>, aqui neste blog.

Sem mais delongas, aqui vão os 11, em ordem de afetação:

1) “Coringa”: Obra-prima, o melhor filme do ano. Coringa poderia ser qualquer cidadão, um João Ninguém sonhador. Mas, para além dos enormes ganhos comerciais, propor um anti-herói q poderia ter sido irmão bastardo do Batman coube bem enquanto alegoria. O poder ilimitado invoca os excessos, de ódio, desprezo, arrogância. A onipotência de um milionário instiga a onipotência reativa de um oprimido. “Jogos de poder”, diria Foucault. Joaquin Phoenix atua à perfeição (já merecia um Oscar desde o maravilhoso “Ela”), e a direção e roteiro de Todd Phillips azeitam cada detalhe, evidenciando q um filme hollywoodiano pode ser pura arte.

2) “Assunto de Família”: Excelente!! Sensibilidade ímpar, beleza rara. O retrato de uma “família”, onde o afeto é o protagonista, e os adultos ensinam “o q sabem”, para além das óbvias implicações educacionais para as crianças. Muito para além do maniqueísmo do politicamente correto, o grande diretor japonês Hirokazu Kore-Eda (do duríssimo e também excelente “Ninguém Pode Saber”) apresenta um drama inequivocamente comprometido com as verdades do submundo da miséria, as leis do cotidiano q vive a despeito de políticos, policiais e assistentes sociais. A transgressão aqui corresponde não apenas ao risco, a um posicionamento na contracultura, ou a uma glamourização do poder vivenciado pelo transgressor, mas sim a uma saída pró-Eros, uma resistência sem retóricas, uma assunção do afeto como lei central, custe o q custar (como a discussão de Almodóvar em “Fale com Ela”). Atuações brilhantes, imperdível. Ver mais no post “Só o Afeto Interessa (‘Assunto de Família’)”, aqui neste blog.

3) “Dor e Glória”: Almodóvar, finalmente, está de volta. 16 anos após realizar seu último grande filme (“Má Educação”), o gênio reacessa seus grandes momentos na carreira. Antonio Banderas – bem como protagonista, porém não brilhante para merecer o prêmio conquistado em Cannes – vive uma espécie de alter ego do diretor, com o início de sua velhice remetendo às deliciosas memórias de sua infância. A relação com sua mãe, os primeiros instantes de seus desejos homossexuais, o início de seu amor pela arte e pela intelectualidade. Antimaniqueista de ponta a ponta, a biografia do cineasta atravessa seu vazio atual, suas somatizações e sua solidão, bem como suas deliciosas lembranças, e seu potencial de vitalidade. Mais do q uma exposição dos bastidores do Cinema, o filme aborda o cotidiano comezinho, criativo e também às vezes simplório de uma pessoa comum, apesar de sua genialidade. Se não atinge seu ápice (a obra-prima “Fale com Ela”), Almodóvar chega perto disto, com este retorno magistral a si mesmo.

4) “O Bar Luva Dourada”: Incrível. Pesadíssimo, especialmente nos primeiros 15 minutos. O filme não aborda os assassinatos de um psicopata com glamour, nem a investigação ou perseguição policial. A história é sobre o submundo do protagonista e das vítimas, em especial no tal bar e na casa do serial killer. Atuação magistral de Jonas Dassler, digna de todos os prêmios possíveis (após verem o filme, vale conferir o rosto do ator, como se transformou). O diretor Fatih Akin (do maravilhoso “Tschick”) expõe a sujeira física e emocional dos personagens em seu cotidiano, bem pr’além das mortes, transmitindo à perfeição cada detalhe, quase até o cheiro dos lugares. Atmosferas de tensão, medo, indiferença e até humor negro são mostradas brilhantemente, pelo trabalho de altíssimo nível dos atores coadjuvantes, criando personagens marcantes, inesquecíveis. cinema da mais alta qualidade, pra quem tiver estômago.

5) “Um Dia de Chuva em Nova Iorque”: Mais uma obra-prima de Woody Allen, um dos maiores diretores de todos os tempos. Como em seus melhores filmes, seu roteiro e suas frases são “simples” e brilhantes. As reviravoltas amorosas, o antimaniqueísmo são marcas constantes, desconstruindo os valores relacionais culturalmente viciados. Gostem dele ou não, só não é aceitável q se reduza sua filmografia a uma única forma de narrativa (vide “Zelig”, “Tudo que Você sempre Quis Saber sobre Sexo mas Tinha Medo de Perguntar”, “Poderosa Afrodite”, etc).

6) “Entardecer”: Brilhante. Uma complexa rede de mistérios acerca do passado de uma mulher, na Budapeste nos anos anteriores à Primeira Guerra. Câmera brilhantemente grudada em seu olhar, refletindo o absurdo e o vazio de informações à sua volta. A protagonista funciona como um fantasma para todos, como se estivesse num mundo paralelo, e vice-versa. Num misto de “O Homem sem Passado” (Kaurismäki) com “O Anjo Exterminador” (Buñuel), o diretor alcança um raro resultado q provoca reações de drama, suspense e policial no espectador. Impressionante.

7) “O Anjo”: Maravilhoso! Um thriller policial construído magistralmente pelo diretor e roteirista Luis Ortega. Na linhagem dos inesquecíveis “Butch Cassidy” e “Bonnie & Clyde”, o filme narra a trajetória de um doce e perverso (no sentido psicanalítico) jovem ladrão, numa escalada de roubos e ocasionais violências. Pasolini teria se apaixonado por este ator/personagem, de sexualidade quase tão aberta e sedutora quanto no clássico “Teorema”. Divertido, intenso, consistente, redondo. Imperdível.

8) “Ayka”: Pesadíssimo e excelente. O trágico e hiper realista cotidiano de uma imigrante cazaque na Rússia, logo após abandonar seu filho recém-nascido. Em q pese 1 ou 2 exageros (obscenidades realísticas), a lucidez é convocada sem perdão. Para os espectadores mais disponíveis à crueza da miséria. Um dos melhores filmes do ano.

9) “Estou me Guardando para quando o Carnaval Chegar”: Excelente! A direção de Marcelo Gomes (da obra-prima “Cinema, Aspirinas e Urubus”) extrai arte pura de cada detalhe da cidade de Toritama, interior de Pernambuco. O crescimento da cidade é filmado à perfeição, através do processo de consecução de jeans, produto responsável por uma revolução ali. Onde antes tudo era rural – agricultura e pecuária de subsistência -, agora são trabalhadores, a maioria autônomos ou ganhando por bônus de produtividade. Em q pese a óbvia crítica às explorações do Capitalismo, os personagens deste doc assumem suas escolhas, e ainda circulam todo o ganho no sonho do Carnaval nas lindas praias de Alagoas. Imperdível.

10) “Três Faces”: Excelente! Uma aula sobre histerias (Freud), através do olhar extremamente sensível do aclamado e perseguido político Jafar Panahi. O diretor e protagonista viaja com uma amiga atriz em busca de uma jovem admiradora desta, q teria tentado suicídio. Intenso e divertido, leve e verdadeiro, tudo ao mesmo tempo. Aula de cinema.

11) “White Boy Rick”: Excelente! A história real de um jovem de 15 anos q se torna informante da polícia federal americana, infiltrado numa gangue de traficantes de drogas. Intenso e atuado de forma brilhante pelo garoto (Richie Merritt) e seu pai (o fora-de-série Matthew McConaughey).

Melhores Filmes em Cartaz (atualizado constantemente)

1) “Coringa”: Obra-prima, o melhor filme do ano. Coringa poderia ser qualquer cidadão, um João Ninguém sonhador. Mas, para além dos enormes ganhos comerciais, propor um anti-herói q poderia ter sido irmão bastardo do Batman coube bem enquanto alegoria. O poder ilimitado invoca os excessos, de ódio, desprezo, arrogância. A onipotência de um milionário instiga a onipotência reativa de um oprimido. “Jogos de poder”, diria Foucault. Joaquin Phoenix atua à perfeição (já merecia um Oscar desde o maravilhoso “Ela”), e a direção e roteiro de Todd Phillips azeitam cada detalhe, evidenciando q um filme hollywoodiano pode ser pura arte.

2) “O Farol”: Obra-prima, soberbo. Muito superior ao seu filme anterior (“A Bruxa”, muito bom, mas com problemas), o diretor aqui entra para o grupo de grandes da atualidade. Inspirado no noir hiper claustrofóbico de Ingmar Bergman, com pássaros de Hitchcock, entre outras referências, Robert Eggers conduz o brilhante Willem Dafoe e o aqui muito bom Robert Pattinson num erotismo pré-sexual à iminência de um ataque de nervos. O suspense psicológico, com micro toques de fantasia, acerta de ponta a ponta. Premiado na Semana da Crítica em Cannes 2019.

3) “Um Dia de Chuva em Nova Iorque”: Mais uma obra-prima de Woody Allen, um dos maiores diretores de todos os tempos. Como em seus melhores filmes, seu roteiro e suas frases são “simples” e brilhantes. As reviravoltas amorosas, o antimaniqueísmo são marcas constantes, desconstruindo os valores relacionais culturalmente viciados. Gostem dele ou não, só não é aceitável q se reduza sua filmografia a uma única forma de narrativa (vide “Zelig”, “Tudo que Você sempre Quis Saber sobre Sexo mas Tinha Medo de Perguntar”, “Poderosa Afrodite”, etc).

4) “Uma Mulher Alta”: Excelente. Atuações soberbas, cenário primoroso. O diretor russo Kantemir Balagov constrói os personagens à perfeição, em meio a um esfacelamento emocional pós-2a Guerra. Sobrevivência, sexualidade, inibições, transgressões: um oceano de sutilezas marejadas pela fragmentação subjetiva imposta de forma generalizada.

5) “O Paraíso Deve Ser Aqui”: Excelente. O diretor e protagonista Elia Suleiman (da obra-prima “O que Resta do Tempo”) apresenta seu estilo único, tragicômico, contemplando silenciosamente cada micro absurdo do cotidiano das culturas da Palestina, Paris e Nova Iorque. Representante da Palestina no Oscar 2020, o q já é impressionante, e símbolo central da proposta do filme. Destaque para a cena das previsões das cartas para o futuro da Palestina. Menção Especial no Festival de Cannes 2019.

6) “Adam”: Excelente. O drama de uma mulher solteira, grávida e desempregada no Marrocos. Sua única chance seria abandonar sua família sem q descobrissem a gravidez, arrumar algum bico e qualquer moradia até q o bebê nascesse e doá-lo. Só assim poderia voltar a uma vida “digna” (tendo em vista os fortes preconceitos machistas daquela sociedade) e se casar “normalmente”. Para isto, tenta não se apegar ao filho q está para nascer. É acolhida por uma jovem viúva (envelhecida pelo luto e por seus sintomas obsessivos), com uma filha pequena. A leveza “histérica” (no sentido freudiano, não no sentido vulgar de gritaria ou descontrole) da visitante colore a melancolia acinzentada da anfitriã, sob mediação da resistência otimista da filha (alusão ao “bebê sábio” do grande psicanalista Sandor Ferenczi).

7) “Bacurau”: Ótimo! Os excelentes diretores Kleber Mendonça Filho (da obra-prima “O Som ao Redor”) e Juliano Dornelles realizam um filme com ação atípica no panorama nacional. Como nos filmes anteriores, Kleber revela sua maestria no cenário, na caracterização da cidade. Suas discussões políticas destacam o tom patético da demagogia do poder econômico (no caso, o prefeito), plenamente percebida pelo povo, q se posiciona enfaticamente. Frases como “Bacurau tem q pagar pra entrar no mapa do país?” denunciam os absurdos, bem como a resistência popular, dentro do possível (destaque para a importância do Museu de Bacurau, metáfora central no filme). As atuações estão ok, não brilhantes. As comparações com o estilo do Tarantino não me parecem tão precisas, pois apesar da violência e do humor negro, as propostas de cada um soam bastante diferentes. Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

8) “Parasita”: Ótima alegoria sobre as enormes disparidades entre a burguesia e o proletariado. Uma família pobre q vive num porão infiltra-se aos poucos na casa de uma família rica. O diretor explora com bastante precisão, acidez e ironia a fragilidade da bolha da classe alta, através da necessidade de uma “indicação de confiança”, para contratar alguém para algum serviço em casa. Lentamente, o drama vai ganhando tons de suspense e tragédia, expostos através de uma grande enchente q evidencia ainda mais o absurdo das castas do nosso cotidiano.

9) “Os Miseráveis”: Muito bom. Thriller policial intenso, vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2019. Atuações excelentes, ambientação precisa sobre a miséria. No entanto, soa como um plágio de uma obra-prima chamada “O Ódio”, com Vincent Cassel. “Os Miseráveis” não chega perto da qualidade e da verossimilhança do outro filme. As trucagens forçadas e as soluções apressadas fazem a película perder qualidade. Ainda assim, vale o ingresso. Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2019.

10) “Era uma Vez em… Hollywood”: Bom. Talvez seja o filme menos surpreendente e menos marcante de Quentin Tarantino, porém não deixa de trazer toques de cinema refinado, humor sátiro e belas atuações.

11) EXTRAS IMPERDÍVEIS:
11.1) “Cinema, Aspirinas e Urubus” (na Mostra “Festival do Rio – 20 anos”)

Só o Afeto Interessa (“Assunto de Família”)

Poucas vezes vemos no cinema um diretor conseguir ser totalmente preciso no q pretende transmitir, sem recorrer a panfletagens, ou a agressões retóricas ao sistema de pensamento oposto. O japonês Hirokazu Kore-Eda, em “Assunto de Família”, atingiu com plenitude este objetivo, com a eficácia de um atirador de elite. Refiro-me com isto à colocação do afeto como significante central no filme, como protagonista único.
Relembro a obra-prima máxima neste sentido, onde o fora-de-série Almodóvar contempla mais do q ninguém na História este intento, com o clássico “Fale com Ela”. Aqui, o enfermeiro “Benigno” sustenta a fé na recuperação de uma paciente em coma duradouro, cuidando de maneira indescritível ao olhar e à interpretação do senso comum. O “milagre” acontece através de um abuso sexual, demarcando a transgressão como uma decisão para além da suportabilidade social. Como disse certa vez uma pessoa muito querida, o transgressor passa a viver num eremitério (neologismo criado por ele mesmo), assumindo com isto todos os enormes custos desta decisão. Este eremita, portanto, morreu para o mundo. Não possui a esperança do retorno, não conta com a possibilidade de volta, portanto não se tornará música, como o “irmão do Henfil”, nem presidente, como José Mujica.
Aos transgressores aqui mencionados, apesar de “benignos”, só restará a morte, a prisão perpétua, o banimento social. Estarão “Presos do Lado de Fora”, como no poético livro da psicanalista Solal Rabinovitch sobre a Psicose. E eles sabem disso, como assume o personagem acusado de estupro na obra-prima “O Processo do Desejo”, de Marco Bellocchio. Aqui, nunca haverá amparo da Lei, nem resgate, ou grupo de oposição. No máximo, uma resistência ínfima pela Arte como um todo, não apenas o Cinema. Em mais um exemplo deste pequeno reduto do pensar, o filme “Una” discute os desdobramentos de um ato pedófilo, para além da condenação jurídica, socialmente justificada. A antes menina, agora mulher, necessita de uma costura própria de sua história, a ser realizada necessariamente com o pedófilo, após o tempo q este passa no presídio.
A questão, portanto, diz respeito à possibilidade de uma continuidade da discussão da humanidade, dos sentimentos, muito pr’além dos parâmetros criminais. “Vítima” e “algoz” representam funções e lugares sociais, sentimentos humanos, acontecimentos marcantes, “paisagens subjetivantes”. O processo de construção psíquica, sem fim, necessita de ampliação de parâmetros, de um não apaziguamento após uma condenação (justa ou não). O vilão mor da humanidade sempre será o maniqueísmo, terra eternamente fértil à mediocridade de todos nós.
Em “Assunto de Família”, como o próprio título discretamente sustenta, precisamos falar sobre afeto na intimidade. Não para condenar ou para absolver uma “família” q acolhe pessoas mal tratadas por seus pais biológicos, mas para denunciar o abandono social. A denúncia, aqui, recai sobre as “baratas no canto da parede”, onde nosso salto não alcança, apenas se cansa. A destruição psíquica de um abandono afetivo pode ganhar um pequeno alento nas leis de um outro cotidiano, onde outras leis se dão, onde uma outra vida acontece.
As denúncias proliferam recentemente no cinema, como nos excelentes “Cafarnaum” e “Ciganos da Ciambra”. Porém, “Assunto de Família” é mais preciso, para além de ser ou não melhor filme do q esses outros. Kore-Eda não se distrai, não trai seu propósito nem por um instante, não coloca relevo na estética da miséria, nem nos absurdos das leis constitucionais. O diretor, assim como os personagens, não abandona o afeto por nada, “não sai de si nem para pescar” (como diz o grande poeta Manoel de Barros).
O resultado diferencial? Um filme sereno. Uma extrema leveza num tema pesadíssimo como o abandono dos pais, ou a cegueira da sociedade. Uma calma q suplanta o poder das denúncias, q muitas vezes serve de alento à nossa solidão.
Não há apelações, esperança jurídica. Não haverá heroísmo redentor. Resta a silenciosa verdade interna. A história contada de nós para nós mesmos, a versão não compartilhada, vivida apenas na solitude. O demasiadamente humano de Nietzsche. Tristeza e alegria numa pacificada verdade própria, sem mediação. A vida na dor e na delícia do “desamparo fundamental” freudiano.

FESTIVAL 2018 (Dicas por estrear)

Aqui vão os destaques de todos os filmes a q assisti neste Festival do Rio 2018, começando pelos q mais me impactaram:

1) “A Queda do Império Americano”: O melhor de todos a q assisti no Festival, obra-prima do grande diretor Denys Arcand, completando a trilogia com “O Declínio do Império Americano” (1986) e “As Invasões Bárbaras” (2003). Sátira deliciosa sobre a ética e os ideais “americanos”, diante da tentação de enriquecer. Humor fino, ácido e extremamente inteligente. Imperdível.

2) “O Anjo”: Maravilhoso! Um thrillerpolicial  construído magistralmente pelo diretor e roteirista Luis Ortega. Na linhagem dos inesquecíveis “Butch Cassidy” e “Bonnie & Clyde”, o filme narra a trajetória de um doce e perverso (no sentido psicanalítico) jovem ladrão, numa escalada de roubos e ocasionais violências. Pasolini teria se apaixonado por este ator/personagem, de sexualidade quase tão aberta e sedutora quanto no clássico “Teorema”. Divertido, intenso, consistente, redondo. Imperdível.

3) “Angel Vianna – Voando com os pés no chão”: Extremamente tocante. A trajetória ímpar da grande bailarina, coreógrafa e professora de balé e dança contemporânea. Contado e dançado, este doc expõe de forma bastante sensível a biografia de Angel, em q pese alguns pequenos vícios de direção.

4) “Três Faces”: Excelente! Uma aula sobre histerias (Freud), através do olhar extremamente sensível do aclamado e perseguido político Jafar Panahi. O diretor e protagonista viaja com uma amiga atriz em busca de uma jovem admiradora desta, q teria tentado suicídio. Intenso e divertido, leve e verdadeiro, tudo ao mesmo tempo. Aula de cinema.

5) “White Boy Rick”: Excelente! A história real de um jovem de 15 anos q se torna informante da polícia federal americana, infiltrado numa gangue de traficantes de drogas. Intenso e atuado de forma brilhante pelo garoto (Richie Merritt) e seu pai (o fora-de-série Matthew McConaughey).

6) “El Motoarrebatador”: Ótimo. Dois ladrões de moto assaltam uma senhora, q, por não largar sua bolsa, acaba sendo arrastada pelos dois na moto. Após o fato, um deles se arrepende e tenta encontrar a senhora em algum hospital. Verdadeiro, sem recorrer a clichês ou pieguices, expõe as diferenças sociais de modo quase seco, além de antimaniqueísta.

7) “Kusama – Infinito”: Ótimo doc sobre Yayoi Kusama, uma das artistas mais importantes do mundo. Seus trabalhos sempre provocaram forte impacto social, por afrontarem preconceitos diversos (machismo, racismo, etc). Como vários outros artistas, sua psicose permite uma hiperdisponibilidade criativa, comumente inacessível à grande maioria dos neuróticos. Hoje vive num hospital psiquiátrico, saindo constantemente para trabalhar.

8) “Cafarnaum”: A incrível história de um menino de 12 anos q cuida dos irmãos, abandona os pais abandonadores para viver com refugiados e processa aqueles, para q não tenham mais filhos. Fortíssimo, tocante e real. Imperdível.

9) “A Casa que Jack Construiu”: Muito bom. Extremamente agressivo, como quase tudo q o cineasta Lars von Trier já realizou no cinema, porém um pequeno tom abaixo dos seus últimos filmes. Muito atento à mediocridade humana, ressalta com grande acidez suas raivas, preconceitos e desprezos, através de situações patéticas. Apesar de todo o niilismo do diretor, a qualidade artística é inegável.

10) “Guerra Fria”: A história de um músico e suas utopias, e uma cantora q vai de camponesa a celebridade. Durante as tensões do pós-guerra na Polônia stalinista, os dois conduzem suas carreiras, paixão e aprisionamentos políticos. O clássico, trágico e belo encontro de um obsessivo com uma histérica. Um Romeu e Julieta freudiano, muito bem filmado pelo diretor Pawel Pawlikowski, vencedor do prêmio em Cannes.

Os Melhores Filmes de 2018

Como já coloquei noutros textos deste blog, sempre resisti à ideia de fazer este tipo de lista dos “melhores”. Sempre achei q isso não serviria para praticamente nada, apenas um exercício de vaidade pública. Mudei de ideia, hj penso q pode ser apenas uma troca de experiências e sensações, prazerosa e despretensiosa.

Listar os melhores filmes sempre provoca justos questionamentos, como: “Faltou tal filme!!”. Enfim, só o q sempre resta é fazer algo pessoal. Então, o critério aqui será: os 12 q mais me afetaram, impactaram. Não vou discutir aspectos técnicos, nem qualidade artística do diretor ou das atuações, especificamente. Tudo ficará incluído nesta categoria escolhida, nomeada “afetação/impacto/atravessamento”. Também não vou me preocupar caso a data exata de lançamento fora do Brasil for de um ano anterior. Por último, “Por que 12 filmes e não 10, ou 15?”: pq este número acabou sendo resultado dos q não consegui excluir. Os restantes q também adorei estão na Grande Lista (ler mais no post “Grande Lista de Filmes (atualizada constantemente)”, aqui neste blog.

Sem mais delongas, aqui vão os 12, em ordem de afetação:

1) “120 Batimentos por Minuto”: Incrível. Ritmo frenético construído à perfeição pelo diretor Robin Campillo (roteirista do excelente “Entre os Muros da Escola”). Tudo no filme é milimetricamente orquestrado pela direção a fim de nos transmitir a urgência dos soropositivos no início dos anos 90. A história é uma ficção sobre fatos reais: a luta política do grupo ativista “Act Up” em Paris pelos direitos de acesso rápido a novos tratamentos contra os efeitos do HIV. O nível das discussões nas reuniões semanais do grupo é elevado e anti-burocrático – ratificando, eles têm urgência -, então até as palmas são substituídas por dedos estalando, para não perder tempo de discussão, tempo de vida. Não há tempo para discutir se deveríamos pronunciar a palavra “viado”, ou “gay”, ou “homossexual”. A única palavra é “sobreviver”.

2) “Arábia”: Maravilhoso. Sensibilidade ímpar dos diretores Affonso Uchoa e João Dumans. A vida de um trabalhador lutando, a cada dia, por sobrevivência (um lugar para dormir e algo pra comer, literalmente). As condições miseráveis, a falta de direitos trabalhistas, a falta de perspectivas, a ingenuidade quanto à vida, a falta de vínculos fortes e, principalmente, a falta de um olhar para si, de um processo de subjetivação. Ao receber a sugestão de escrever sobre si, este processo é inaugurado. Após “perder” a única pessoa q amou (não conseguem sustentar certa morte), o protagonista mergulha numa melancolia sem retorno. Ao final, a frase do filme: “Parei de ouvir o barulho das máquinas, e então ouvi meu coração pela primeira vez.” Preciso, tocante e imperdível, o melhor filme brasileiro deste ano.

3) “Ilha dos Cachorros”: Maravilhoso. O ótimo diretor Wes Anderson (do muito bom “O Grande Hotel Budapeste”) atinge aqui seu ápice. Em uma animação para adultos (q até pode ser vista por crianças), discute temas como xenofobia, guerras mundiais, ditadura, resistência (no sentido proposto por Michel Foucault) e lealdade. Fotografia belíssima, roteiro central aparentemente simples, personagens incríveis. Um filme imperdível, pura arte.

4) “Marvin”: Obra-prima. A história de um menino desde o bullying no início da adolescência, até o início de sua vida profissional, como ator de teatro. A diretora e roteirista Anne Fontaine cria uma grande quantidade de personagens e cenários, todos extremamente apurados em forma e conteúdo. As tensões relacionais são desenhadas à perfeição, com excelentes atuações de todo o elenco. Entre tantas qualidades do filme, destaque para o anti-maniqueísmo constante, através do qual as ambivalências de cada personagem são apresentadas, com delicadeza ímpar. Para coroar, Isabelle Huppert – a melhor atriz do mundo – interpreta ela mesma. Imperdível!

5) “Deixe a Luz do Sol Entrar”: Obra-prima. Roteiro do mais alto nível, de dar inveja até em Woody Allen. A diretora Claire Denis (ex-assistente de Wim Wenders) mira à perfeição na dor e no vazio de uma mulher de 60 anos (Juliette Binoche, lindíssima), numa insana busca por um novo amor. A premissa soa piegas, mas a descrição dos personagens – sempre maniqueísta – e os diálogos cheios de sutilezas e complexidades trazem excelência ao drama sobre desencontros. Um dos melhores roteiros dos últimos anos.

6) “O Insulto”: Obra-prima. Um incidente banal entre 2 homens (um cristão e um palestino) é vivido como insulto por um deles, e a neurótica questão acaba tomando proporções inimagináveis, expondo as gigantescas feridas político-religiosas no cotidiano do Líbano. O diretor Ziad Doueiri monta a história à perfeição, transmitindo o clima de progressiva tensão e a perda dos objetivos iniciais da contenda. Excelentes atuações, discussão complexa colocada de forma sofisticada pela direção. Merece o Oscar de Filme Estrangeiro.

7) “As Herdeiras”: Belíssimo! Duas senhoras de uns 65 anos – inicialmente não fica claro se são cônjuges ou meias-irmãs – convivem numa casa  envelhecida, num modus vivendi extremamente melancólico e depressivo. A mais animada, Chiquita, tenta extenuadamente animar a outra, Chela, completamente entregue ao próprio vazio existencial. Por herdar uma dívida, Chiquita é presa, fato q expõe toda a dependência infantiloide de Chela. Em paralelo, uma vizinha antiga, solicita de modo invasivo uma carona para seu carteado diário a Chela, q mal dirigia e não tinha habilitação. A partir daí, a história dá uma virada gradual, jogando a nova “taxista” num mundo mais “erotizado” (no sentido de prazer em geral, não necessariamente sexual). Neste momento, uma paixão por uma mulher mais nova, histericamente sedutora (Freud), vitaliza o escuro dia a dia de Chela (brilhantemente retratado pelo diretor Marcele Martinessi), provocando um afastamento emocional de sua companheira Chiquita. Atuações primorosas de todas as atrizes (não há personagens masculinos no filme) e Urso de Prata no Festival de Berlim para a protagonista Ana Brun.

8) “Uma Noite de 12 Anos”: Emocionante! A história real de José Mujica e outros 2 companheiros de militância contra a ditadura uruguaia, presos e torturados por mais de 1 década. As condições de sobrevivência física e emocional são postas em detalhes, especialmente os episódios psicóticos – alucinações e delírios – do protagonista, q mais tarde se tornaria presidente do país. Na sessão a q assisti, a plateia aplaudiu gritando “Bravo!”, a ponto do segurança ir conferir se era briga. Imperdível.

9) “Um Dia”: Obra de arte. Estreia de gala na direção e roteiro da húngara Zsófia Sziláqyi. Com uma câmera de altíssima qualidade, a diretora transforma uma história mais do q banal numa espécie de thriller sobre o cotidiano. Transformar um dia cansativo e comum na vida de uma mulher com 3 filhos numa experiência extenuante para o espectador não é para qualquer um. Nem a ameaça de infidelidade por parte do marido é utilizada como objeto de protagonismo emblemático. Apenas uma febre comum do filho caçula, um sapato trocado na escola, um pequeno vazamento na pia da cozinha, um carro mal estacionado, as contas mal fechando no fim do mês. Uma aula de fazer arte a partir de qualquer coisa.  Aguardemos a próxima poesia desta já brilhante cineasta.

10) “Você nunca Esteve Realmente Aqui”: Excelente! Prêmios de Roteiro e Ator (Joaquin Phoenix, do irretocável “Ela”) no Festival de Cannes. O protagonista busca resgatar meninas do tráfico sexual pedófilo. Entremeado por suas reminiscências traumáticas, vivencia o paradoxo da frieza de um matador, com a compaixão indignada contra a violência infantil. Esta “travessia do fantasma” (Lacan) é brilhantemente montada pela diretora Lynne Ramsay, e interpretada à perfeição por Phoenix. Merecidamente premiados.

11) “Ciganos da Ciambra”: Excelente. Ritmo intenso, marcado pela câmera frenética (muito bem dirigido por Jonas Carpignano). A história de uma família cigana e suas contravenções, protagonizada por um menino (Pio) q, ainda adolescente, já se lança numa vida de adulto e nos riscos de seus roubos, inspirados no irmão mais velho, idealizado. Em paralelo, os preconceitos entre as etnias (africanos, italianos, ciganos).Ritos de passagem, ética e desamparo são discutidos de forma inteligente e angustiante.

12) “Trama Fantasma”: Ótimo! Mais uma atuação irretocável de Daniel Day-Lewis, um dos atores mais exigentes do mundo, bem em sintonia com seu personagem aqui: um alfaiate famosíssimo, q veste condessas e princesas. O filme é um tratado sobre Neurose Obsessiva e sobre poder, entremeados por traços perversos. Final ousado e surpreendente. Merecia os Oscars de Melhor Filme, Direção (Paul Thomas Anderson), Ator, Atriz (Vicky Krieps, não concorreu) e Atriz Coadjuvante (Lesley Manville).

 

A Dança do Vazio (“De Canção em Canção”)

Na obra-prima “De Canção em Canção”, o diretor Terrence Malick dá uma aula magistral de fotografia. Com uma edição lisérgica e bastante desconstrutivista, hipnotiza o espectador numa dança infinita entre os personagens, seu glamour, seus medos, seu tesão, e, principalmente, seu vazio.

As ótimas atuações de Ryan Gosling, Michael Fassbender e Rooney Mara fazem um diferencial na “dança em transe” em q o diretor nos embala. Transmite o vazio sem necessitar de nenhuma trucagem aguda, nenhuma cena trágica, nenhum acontecimento bizarro. Sequer utiliza qualquer droga ilícita para criar a atmosfera de uma espécie de “Walking Dead” estilizado. Com isto, escolhe um caminho oposto, por exemplo, de Darren Aronofsky em sua obra-prima “Réquiem para um Sonho”, q expõe as veias abertas do vazio de seus personagens.

Malick começa com algumas cenas de bastidores do mundo da música, celebridades, beleza, sedução. Passa para a sexualidade, exprimindo muito mais uma sensualidade do q o sexo explícito (novamente opta pela “transmissão sem trucagens). Daí insere o ciúme, os jogos de poder, uma espécie de ménage insinuado, sempre de forma indireta.

Bem aos poucos, o sorriso do espectador vai sumindo, a despeito de sua própria percepção. A depressão silenciosa, enfim, começa a se anunciar. A personagem de Rooney Mara encontra o pai, apresentado a nós como um abandonador blasé. Malick larga este pai imediatamente, retirando-nos um álibi clichê. Como na brilhante e eterna frase de Mikhail Bakhtin: “Não há álibi para a existência”.

A partir daí, a angústia engole a tela, definitivamente. Os personagens dançam o desencontro, exibindo sua enorme impotência ante a seus desejos de vinculação. O personagem de Ryan Gosling até tenta uma aproximação maior com a de Rooney Mara, obviamente sem sucesso. O de Fassbender imediatamente se esquiva, por ser o maior “fiador” do espetáculo da indiferença, do vazio. “Adquire” outro espécime sedento por algum prazer maior (a personagem de Natalie Portman), e reinicia sua repetição sintomática (como no final do filme “Mãe!”, também de Aronofsky).

Desiludido, o personagem de Gosling procura uma saída numa nova relação com uma mulher mais velha, supostamente mais consistente (onde entra Cate Blanchett). Ledo engano. Nenhum ser humano consegue êxito quando tenta “morar fora”, ou seja, afastar-se geograficamente de seus fantasmas. Como diria Freud, o “recalcado” sempre retorna. O escapismo também é a saída buscada pela personagem de Mara, num “relacionamento” amoroso com uma mulher.

Já desesperados, as gambiarras não funcionam mais, o suicídio passa a ser uma opção mais honesta.

Ou alguma generosidade consigo e para com o outro, caso suportassem e pudessem crer e apostar num processo de atravessamento do fantasma, a única opção humanamente consistente.

A Psicanálise, não enquanto panaceia, é tão somente uma das possibilidades de aprofundamento subjetivo, assim como a Arte ou a Filosofia. Não apenas os heróis de Cazuza morreram de overdose, como também nossos paliativos emocionais, nossos escapismos e maquiagens possuem prazo de validade. Vazio não admite álibi, nem é suficientemente sedado por antidepressivos ou ansiolíticos, maconha ou cocaína, redes sociais ou afins. Como em “O Sétimo Selo” (Bergman), a morte não será enganada, nem durante a vida. Restaria algum acordo mais honesto, como no desfecho de “Palermo Shooting”, de Wim Wenders, o maior dos diretores de Cinema.

 

60 Melhores Filmes de Todos os Tempos

Sempre resisti à ideia de fazer este tipo de lista dos “melhores”. Sempre achei q isso não serviria para praticamente nada, apenas um exercício público de vaidade. Mudei de ideia, hj penso q pode ser apenas uma troca de experiências e sensações, prazerosa e despretensiosa. Fiz a lista dos 15 melhores filmes brasileiros, agora a dos 60 do mundo.

Listar os melhores filmes sempre provoca justos questionamentos, como: “E o Fellini??”, “Sem Buñuel e Kubrick não faz sentido.”. Enfim, só o q sempre resta é fazer algo pessoal, ainda q eu ame “O Anjo Exterminador”, apenas para citar um. Então, o critério aqui será: os 60 filmes q mais me afetaram, impactaram. Não vou discutir aspectos técnicos, nem qualidade artística do diretor ou das atuações, especificamente. Tudo ficará incluído nesta categoria escolhida, nomeada “afetação/impacto/atravessamento”. Por último, “Por que 60 e não 50, ou 100?”: pq este número acabou sendo resultado dos q não consegui excluir; outros perdiam por terem uma produção fraca, ou atuações medianas, apesar de um roteiro extraordinário, por exemplo. Os restantes q também adorei estão na Grande Lista (ler mais no post “Grande Lista de Filmes (atualizada constantemente)”, aqui neste blog.

Sem mais delongas, aqui vão os 60, em ordem de afetação, c/ breves comentários:

1) “A PROFESSORA DE PIANO”: Considero o melhor filme de todos os tempos. O Festival de Cannes q, ao contrário do Oscar, procura nunca premiar um filme em mais de 1 categoria, laureou este filme 3 vezes: o diretor Michael Haneke com a Palma de Ouro; Isabelle Huppert, a melhor atriz das últimas décadas, em sua maior atuação; e Benoit Magimel, o único ator. talvez, não tão brilhante. Annie Girardot, a mãe, está soberba no dificílimo papel.
2) “TÃO LONGE, TÃO PERTO”: Considero Wim Wenders o melhor diretor de todos os tempos – o mais sensível sobre sutilezas humanas, capaz de criar ficções e docs de modo igualmente magistral. Nesta obra, atinge seu ápice. O salto do anjo para se tornar humano é filmado com as sensações “em diapasão”. Poesia sensacionista como um Fernando Pessoa. Palma de Ouro em Cannes.
3) “PINA”: Wenders, amigo de Pina Bausch, propõe fazer um filme sobre ela, q topa imediatamente. Ao começar a construir o filme em seu imaginário, percebe e afirma q não seria possível transmitir Pina com a tecnologia cinematográfica da época. O projeto, então, fica engavetado por 30 anos; até q, ao ressurgir com alguma qualidade o cinema 3D, Wenders assume q agora seria viável. Realiza, então, a mais incrível obra em 3D, um “doc” fora de série, sem entrevistas com a família da coreógrafa. Pina, se é q é possível, torna-se ainda mais imortalizada.
4) “TEOREMA”: A obra máxima do mestre Pasolini. Um visitante sem nome (interpretado por Terence Stamp) desorganiza uma família neurótico-burguesa através de uma sedução silenciosa (como o “objeto a”, ou “objeto causa de desejo”, do psicanalista Jacques Lacan). Pasolini filma os 3 tempos (vida metódica, entrega/paixão e surto) brilhantemente, expondo exatamente seu teorema sobre desejos recalcados. Prêmio de filme católico em Veneza, e repúdio do Vaticano. Simultaneamente.
5) “O PODEROSO CHEFÃO I”: Imortalizada, esta obra-prima de Francis Ford Coppola vai muito além de contar uma disputa fálica entre gângsteres. Cria uma dinastia, com personagens lembrados mais de 40 anos depois. As discussões sobre poder, crime, confiança, família, jogos de inteligência são magistrais. Oscar de filme, roteiro e ator (Marlon Brando, incrível). Além da consagração do jovem Al Pacino.
6) “STAR WARS VI – O RETORNO DE JEDI”: Muito para além da história contada, ou das lutas entre o bem e o mal, a saga merece a impressionante longevidade de mais de 4 décadas. George Lucas, também pr’além dos efeitos especiais de uma guerra espacial, trata de apresentar os personagens sempre através de um olhar antimaniqueista, algo q igualaria qualquer facção em litígio. O “lado negro da força” está sempre conosco, no mínimo em potencial. Neste episódio, a luta final entre Luke, Darth Vader e o Imperador é o ponto máximo de toda a saga.
7) “STAR WARS V – O IMPÉRIO CONTRA-ATACA”: Um episódio marcado pelas vitórias de Darth Vader, e a construção de um lastro em Luke Skywalker (nas lições com o Mestre Yoda) contra as pressões de cooptação por parte do lado negro da Força. Perfeito.
8) “DESCONSTRUINDO HARRY”: O melhor e mais “completo” de toda a vasta e impressionante obra de Woody Allen. Com humor ácido e extremamente inteligente, o diretor, mais autobiográfico do q nunca, cria uma história metalinguística onde o protagonista realmente desce a seus infernos subjetivos (cena antológica, a melhor do filme), numa real desconstrução de si, tocando com lucidez seus fantasmas e vazios, sem autopiedade ou álibis. Destaque para a frase de seu psicanalista: “Você quer q os outros se adaptem à distorção q vc se tornou.”
9) “O SÉTIMO SELO”: O melhor e, paradoxalmente, menos sombrio do grande Ingmar Bergman. Apesar de ser um jogo de xadrez contra a morte (portanto sabidamente perdido), este filme-metáfora utiliza a Peste Negra como “travessia do fantasma” (Lacan), onde o protagonista e os outros personagens são instados a assumir, da forma mais autêntica possível, suas escolhas e percurso de vida. Cada cena, ou jogada de xadrez, ratifica a existência de cada um. A metalinguística da vida, como afirmação estilística sempre referida à morte. Grande prêmio do Júri em Cannes.
10)  “O PROCESSO DO DESEJO”: Obra-prima do brilhante diretor Marco Bellocchio. Uma mulher “se deixa” presa num museu, ao fim do dia. Silenciosamente, o arquiteto e “professor de arte” se aproxima, e conversam sobre as obras na penumbra. Sedução, como um tango, até a bela cena de sexo. Acordam, e ele abre o museu, para o espanto da mulher, q achava q ambos estavam presos. Corta a cena, ela está no tribunal acusando-o de estupro. Ambos não mentem em nada. Em jogo, apenas as metáforas dos jogos de sedução e poder entre homem e mulher. Belíssimo. Uma aula sobre desejo e histeria em Psicanálise.
11) “STAR WARS IV – UMA NOVA ESPERANÇA”: O primeiro de todos da saga, produção de 1977, portanto bem antiga. Porém, foi o início da paixão de fãs como eu. Imperdível. Após estes 3 primeiros (IV, V e VI), os outros são muito prazerosos, porém sem a mesma magia.
12) “LÚCIA E O SEXO”: Obra-prima do espanhol Julio Medem. O filme atinge uma tal complexidade q me motivou a vê-lo novamente (algo raro na minha história, geralmente prefiro deixar a impressão/afetação inicial), especialmente quanto à metáfora dos buracos, de onde se entra num lugar e sai noutro (em referência ao afundamento na melancolia pós perda de alguém muito amado). Destaque para a mais bela cena de sedução ativa por parte de uma mulher q já vi no cinema. Paz Vega, exuberante.
13) “FALE COM ELA”: O apogeu da carreira do grande Almodóvar. Brilhante história do enfermeiro “Benigno”, um câncer necessário para conversar com o “irrepresentável” (tema bastante discutido atualmente em Psicanálise) de um coma. O filme discute os preconceitos mais arraigados do ser humano, muito à frente de seu tempo (humanizar um estuprador). Destaque para a cena mais incrível q já vi na história do Cinema: o enfermeiro assiste a um filme mudo (por ser o preferido de sua paciente em coma), conta a ela; Almodóvar, aos poucos, passa ao filme dentro do filme, retirando a narração do enfermeiro; de uma cena do filme mudo, corta pra uma animação gráfica, deixando a entender um ato sexual apaixonado. Impressionante, inesquecível. Oscar de Roteiro Original.
14) “NÃO SE MOVA”: Arrebatador. Estreia de gala de Sergio Castellitto na direção (atua tb como o protagonista). A melhor atuação de Penélope Cruz, como uma mulher simplória q é “estuprada” por um desconhecido. A partir deste “encontro em transe”, ambos se jogam numa jornada “fantasmas adentro”, esbarrando seus abandonos paternos um no outro. A paixão salvando a vida esfriada de ambos, porém não suficiente para q sustentassem uma história mais longeva juntos. Intensidade aos transbordamentos.
15) “AMORES BRUTOS”: Alejandro González Iñárritu estreia em sua carreira de diretor já com seu melhor filme até hoje. A Trilogia do Trágico continua com “21 Gramas” (excelente) e “Babel” (muito bom), ambos abaixo do primeiro. Gael Garcia Bernal aparece ao mundo do cinema numa história genial sobre vidas paralelas q se desgraçam aos poucos, unidas apenas por um acidente automobilístico grave. De tirar o fôlego.
16) “ARARAT”: O filme q mais me fez chorar na vida, belíssimo. O grande diretor Atom Egoyan cria uma história de vários protagonistas com uma sutil conexão, em torno do genocídio do povo armênio pelos turcos (fato ignorado por muitos livros de História). A delicadeza do âmago da emoção de cada personagem é transmitida de forma extremamente impactante. Um dos temas centrais do filme é a “condição de possibilidade” (Kant) da arte na sublimação da dor da perda, questão também discutida por Freud num texto recuperado.
17) “JULES E JIM – Uma mulher para dois”: A obra eterna do gênio François Truffaut. Poesia pura, o filme conta um triplo enamoramento, como se fosse um grande baile. Cenas marcantes na história do Cinema, como a das “fotos” congeladas de Jeanne Moreau, e a da canção feita pelo quarto elemento no enlace geral (“O Turbilhão da Vida”). Sublime.
18) “EM BUSCA DO OURO”: O esplendor maior do unânime Charlie Chaplin. Como disse o poeta Manoel de Barros: “Chaplin monumentou os vagabundos.”, conferiu-lhes dignidade, escolha, singularidade, paixão. Neste filme, Carlitos transmite a corda bamba da vida, através da fome, da paixão não correspondida, e da casa quase caindo no penhasco. Cenas imortalizadas como a clássica dança dos pãezinhos, e a ceia feita com um sapato (o cadarço como macarrão e os pregos como espinha de peixe) dão o tom da genialidade poética deste grande diretor.
19) “RÉQUIEM PARA UM SONHO”: Obra-prima de Darren Aronofsky, o filme mais pesado a q já assisti. O título é perfeito, pois a questão central é mostrar o tempo ingênuo e idílico do sonhar, seguido da tragédia mórbida da realidade mais dura q se poderia conceber. A história vai progressivamente se tornando um enorme e assustador soco no estômago. Demorei alguns minutos para conseguir me levantar do cinema.
20) “CINEMA PARADISO”: A emocionante e singela amizade entre Toto e Alfredo, através da magia do Cinema. O grande diretor Giuseppe Tornatore cria uma atmosfera de encantamento por cada um dos inúmeros personagens de uma pequena cidade, de forma arrebatadora para o espectador, levado e experimentar sua infância, com direito a saborear poeticamente tudo aquilo como se fosse seu, sua própria memória vividamente não vivida. Um traço de Fellini e um toque de Ariano Suassuna são sentidos no tempero desta linda história. Oscar de Filme Estrangeiro.
21) “LUA DE FEL”: Obra máxima de Roman Polanski, um dos maiores diretores de todos os tempos. A perversão (no sentido psicanalítico do termo) é apresentada à perfeição, através dos traços sadomasoquistas, do exibicionismo e do voyeurismo do jogo entre os personagens. Além disso, o filme expõe as veis abertas do ocaso de 2 casais q, a despeito de suas singularidades, apresentam questões possíveis a qualquer casal. Polanski é milimétrico em cada cena – música, ritmo, diálogos. Uma aula de Psicanálise.
22) “O BOM, O MAU E O FEIO (ou TRÊS HOMENS EM CONFLITO)”: Sergio Leone construiu uma qualidade de faroestes tão inigualável, q deveria ter um gênero à parte. MUITO pr’além do embate mocinho-bandido, ou de supostos finais felizes, o diretor filma os micro gestos de tensão durante os duelos intermináveis. Neste filme – o último da “Trilogia dos Dólares” -, Leone microscopicamente fita a pele destruída pelo Sol inclemente, o suor ante a morte iminente, o humor negro, o furo da arrogância enquanto mecanismo de defesa e sobrevivência. Obra-prima a ser vista até por quem “odeia o gênero”. Clint Eastwood no auge.
23) “PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO, E… PRIMAVERA”: Obra-prima do polêmico sul-coreano Kim Ki-duk. Um filme quase todo sem falas, porém extremamente eloquente e poético. Um garoto, aparentemente órfão, é criado por um mestre budista de preceitos rígidos de suposto desapego egoico. O fracasso pedagógico é sentido na carne por ambos. A estrutura psicanalítica neurótico-obsessiva é descrita à perfeição, ficando claro q “abnegação”, “altruísmo” e “filantropia” são impossibilidades psíquicas, servindo apenas à sintomatologia típica dos ressentidos (autonomeados como “íntegros”) questionados brilhantemente por Maria Rita Kehl.
24) “UM CONVIDADO BEM TRAPALHÃO”: Minha comédia preferida em todos os tempos. O brilhante e versátil Peter Sellers atua à perfeição, conduzindo as situações mais simples de uma festa chique ao limiar do caos. Impagável.
25) “MONTY PYTHON – A vida de Brian”: Considero o grupo Monty Python a melhor qualidade humorística de todos os tempos. Neste filme, o grupo atinge seu ápice, fazendo uma crítica à ânsia humana por um Messias. Destaque para a cena antológica da reunião para votar se devem fazer uma reunião para salvar o Messias da crucificação. Imperdível.
26) “MUITO ALÉM DO JARDIM”: Provando sua capacidade multifacetada, Peter Sellers aqui faz um “psicótico fora de crise” (ler mais sobre o tema em textos de Contardo Calligaris ou Jacques-Alain Miller). Criado desde muito pequeno numa mansão, tendo sua vida resumida a cuidar do jardim e ver televisão, o “Videota” (livro original de Jerzy Kosinski, aqui adaptado para o cinema por Hal Ashby) entende o mundo a partir deste microcosmo, sem sequer cogitar outras possibilidades de existência (assim como na “Caverna” de Platão). O diretor ainda faz dura crítica ao mundo regido pelos equívocos imaginários dos neuróticos, quando o protagonista é cotado para a presidência dos EUA.
27) “BUDRUS”: Documentado pela melhor diretora brasileira da atualidade (Julia Bacha), esta obra-prima retrata um vilarejo entre a Cisjordânia e Israel, onde ocorreu a primeira resistência não-armada contra o polêmico muro. Este destruiria os campos de oliveiras q secularmente sustentavam inúmeras famílias proprietárias de terras, já invadidas pelas máquinas q redefiniam violentamente as novas fronteiras. Progressistas de ambos os lados, além de organizações pacifistas iinternacionais e uniram-se num protesto emocionante e efetivo, dando início a inúmeras outras defesas similares em outras localidades.
28) “MARY & MAX – Uma amizade diferente”: A melhor animação de todos os tempos. 100% para adultos, a história expõe solidões pungentes, tentando construir uma alternativa inusitada: uma menina de 8 anos (com pais indescritivelmente alienados) escolhe um nome aleatório na lista telefônica e envia uma carta, q chega a um senhor de 44, ainda mais solitário e ultra fóbico (frequentador dos Neuróticos Anônimos). A direção tem uma sensibilidade para além do q caberia em palavras, sem recorrer a nenhuma pieguice. Impressionante, arrebatador.
29) “JASMINE”: Outra animação para adultos, artística, realista e tocante. Baseados em relatos pessoais, o filme narra uma complexa história de amor durante grave situação política no Irã. O animador e documentarista Alain Ughetto reconta sua história com a iraniana Jasmine, seus encontros e desencontros, a tentativa de sustentar a paixão por um homem e a por seu país. O conteúdo é tão belo e intenso, q os recursos de animação podem ser deliberadamente simples.
30) “ANATOMIA DO INFERNO”: Uma pérola de filme, super independente, um achado do Festival do Rio, daqueles q nunca chegam ao circuito. Produção fraca, um ator pornô como protagonista, algumas cenas escatológicas desnecessárias, mas, ainda assim, um filme impressionante. A discussão sobre feminilidade e masculinidade atinge um nível altíssimo, de fato nada superficial (como as postagens atuais). O protagonista, homossexual, é beijado por uma mulher numa boate gay masculina; segue-a até o banheiro feminino, onde ela está cortando os pulsos. Daí em diante, o “casal” entra numa jornada 4 noites adentro, acessando iniciações pré-sexuais de vida infantil, até mergulhar num clima onírico de encontro com o próprio corpo, a partir do instante com o sexo oposto. Enfim, atípico e imperdível.
31) “ESSES AMORES”: Até quase 70% do filme, não fica claro o tema central. Claude Lelouch, então com 73 anos, atinge o máximo de sua carreira de diretor: REALMENTE se coloca como maestro do filme. Escolhe um não-ator como protagonista – MAESTRO na “vida real” -, e constrói a saga de uma mulher através de seus tempos e amores. IMPRESSIONANTE. Um olhar masculino acessando profundamente a feminilidade em seu extremo. Paixões intensas, transcendendo vários limites. Trilha sonora inacreditável.
32) “JANELA DA ALMA”: Maravilhoso, poético, irretocável. João Jardim e Walter Carvalho dirigem Wim Wenders, Saramago, Manoel de Barros, Oliver Sacks, Hermeto Pascoal, João Ubaldo, etc. Emocionante, depoimentos extremamente inteligentes e sensíveis. Considero o melhor filme brasileiro de todos os tempos.
33) “VINÍCIUS”: Além de Vinícius de Moraes ser um poeta dos maiores, o diretor Miguel Faria Jr. apresenta de forma preciosa sua história, parceiros, idiossincrasias, polêmicas, intensidades. Inúmeras falas inesquecíveis, como as de Ferreira Gullar, Maria Bethânia, Chico Buarque e Tonia Carrero. Além de interpretações tocantes de suas músicas, como a de Mônica Salmaso. O único senão é a presença tosca da fraquíssima Camila Morgado.
34) “ELENA”: Obra-prima de máxima sensibilidade de Petra Costa, a melhor diretora brasileira da atualidade. Filme radicalmente autoral, para além de ser um doc autobiográfico. O atravessamento de sua dor pela perda da irmã Elena é vivido visceralmente, sem concessões, até q possa, enfim, voltar a respirar. Petra filma à perfeição, tanto dor, quanto amor, melancolia (da mãe) e a própria sublimação de seu fantasma.
35) “MOSCOU”: A obra-prima máxima do melhor documentarista do Brasil, e um dos mais importantes do mundo: Eduardo Coutinho. Seguindo a potência de seu filme anterior (“Jogo de Cena”, outra obra-prima), o diretor aprofunda sua criatividade e sensibilidade artística, filmando o Grupo Galpão de teatro ensaiar uma peça de Tchekhov, q nunca seria exibida ao público. Os atores se revezam ensaiando papéis diferentes, o q provoca um jorro de afetação no espectador, pois este recurso lança cada personagem com muito mais força, transmitido por mais de um ator. Incrível.
36) “ALÉM DO DESEJO”: Um belíssimo tratado sobre pré-sexualidade. Uma mulher recém-separada muda-se para um apartamento no andar acima de um transexual à beira de uma cirurgia de mudança de sexo. O antagonismo de uma mulher com estilo “dito masculino” e um homem com todos os trejeitos de uma mulher é posto frente a frente de forma sutil. Atipicamente, a relação é construída de forma primorosa, para surpresa dos próprios protagonistas. As sutilezas da constituição subjetiva dos dois personagens são reveladas “no tempo da delicadeza”, como lindamente diria Chico Buarque. Um raríssimo caso onde o título do filme em português é mais preciso do q o original (“Uma Novela”).
37) “O APARTAMENTO”: Para além do casal Monica Bellucci & Vincent Cassel ter-se formado na vida real a partir deste filme, aqui se vê um tratado sobre a “estrutura histérica” (no sentido psicanalítico), através de um caso bastante atípico de “triângulo” amoroso. Uma mulher – supostamente não protagonista – enxerga numa outra, idealizada, o caminho para se tornar mulher. A partir daí, toda a complexa trama é tecida, assim como as tensões de possíveis separações. Os “quase encontros” são construídos de forma extremamente crível, em consonância com as idiossincrasias de cada personagem (infelizmente, algo raro no Cinema).
38) “HEDWIG – Rock, amor e traição”: Obra-prima. A história da constituição da homossexualidade num homem, e a melancólica trajetória dum amor praticamente unilateral com um sujeito perverso (brilhantemente interpretado pelo subdimensionado Michael Pitt). Trilha sonora impecável, num rock movie eternizado. Destaque para a cena de sexo metaforizada em computação gráfica (lembrando sutilmente a de “Fale com Ela”, de Almodóvar).
39) “A BRUXA DE BLAIR I”: Provavelmente a obra-prima mais subdimensionada da história do Cinema. Muito para além de uma história de horror, este filme brilhantemente  expõe a “anatomia do medo” (o título mais preciso para esta grande história). Passo a passo, os diretores vão destronando nossos principais alicerces – a líder do grupo, o mapa, e, finalmente, a bússola. À precisão de um diapasão, transmitem a desorganização psíquica de cada personagem. Pouco a pouco, o espectador esquece os vícios de escolher qual mocinho ou qual vilão será seu foco de atenção, vidrando-se no puro horror do básico: escuro, falta de esperança, barulho. O “Real” lacaniano e o “Estranho” freudiano aqui se encontram, bela e precisamente.
40) “FILHOS DO PARAÍSO”: A fama do cinema iraniano atinge aqui seu ápice merecido. A história gira em torno da miséria de uma pequena família – pai, mãe, filho e filha -, sublinhada pelo instante em q o menino perde o único sapato da irmã. Segredo mor, ambos atravessam este verdadeiro calvário em tensa comunhão, transmitida pelo diretor Majid Majidi a cada minúcia. As intensidades da infância são aqui retratadas como nunca na história do Cinema. Sensibilidade ímpar, imperdível.
41) “PALERMO SHOOTING”: Outra obra-prima do mestre Wim Wenders. Assisti a este filme numa rara Mostra, num domingo na Cinelândia, centro do Rio. Apaixonado pelo diretor, empolgado e sem sono algum, passo os primeiros 20min lutando para não dormir. Inconformado e estupefato comigo, de relance olho para o restante do público, na pequena sala da Caixa Cultural: todos sonolentos. Penso então q nada faz sentido, pois uma mostra de Wenders num domingo à noite só pode receber cinéfilos da maior gravidade sintomática. Noutro dado momento do filme, sem nenhuma cena de maior “barulho”, perco enfim o sono, completamente. Olho, então, novamente, para meus estranhos companheiros dominicais: todos extasiadamente acordados. Renascido enfim de minhas desconfianças, reencontro meu diretor preferido numa “engenhoca” onde o protagonista do filme adormece até acordar flechado pela “morte”. Impressionante, Wenders transmite seu “shoot” à perfeição. A negociação com a Morte – como em “O Sétimo Selo”, só q de outra maneira -, norteia a desconstrução subjetiva de um fotógrafo de sucesso (seus maiores medos, sua arrogância).
42) “ERVAS DANINHAS”: Obra maior de um dos maiores diretores de todos os tempos, o subdimensionado Alain Resnais. Iniciou impecavelmente sua carreira com as quase unanimidades “Hiroshima, Mon Amour” e “O Ano passado em Marienbad”, porém depois se tornou uma figura talvez vista como exótica, num sentido depreciativo. Neste filme, conta uma história surrealista de um possível casal, nascido de forma extremamente insólita, e as sutilezas dos estranhamentos atraentes entre eles. Freud, em um de seus textos mais brilhantes – “O Estranho” -, aplaudiria. Prêmio Especial do Júri em Cannes.
43) “BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS”: Obra-prima em metalinguagem sobre a dor da desilusão amorosa. Os “significantes” ressaltados pelo amor vão, pouco a pouco, sendo dissecados e dilacerados, num réquiem do esvaziamento de uma paixão. A metáfora de uma “máquina de apagamento de lembranças específicas” atende à perfeição aos anseios desesperados de corações em chamas pelo desterro da mansão de um relacionamento. O inacreditável roteiro (de Charlie Kaufman, Michel Gondry e Pierre Bismuth) transmite cada instante da relação – aproximação, empolgação, tédio, ódio e indiferença – em idas e vindas no tempo (impecavelmente conduzidas pelo diretor Michel Gondry), sem perder a consistência e o fio narrativo. Destaque para a cena de incrível precisão metapsicológica em q a personagem de Kate Winslet diz ao de Jim Carrey: “Esconda-se atrás de sua maior vergonha. É o lugar mais difícil de vc ser encontrado.” Oscar de Roteiro Original.
44) “MEIA-NOITE EM PARIS”: Após o surpreendente contrato de Woody Allen com a Miramax, seus filmes passaram a incluir notoriamente concessões comerciais. Os superestimados “Match Point” e “Vicky Cristina Barcelona” têm o seu valor, porém entregam muito “ouro ao bandido”, algo q outrora não veríamos em suas obras. A partir de “Tudo Pode Dar Certo”, o diretor retoma sua melhor pegada, até reassumir seu maior vigor com “Meia-Noite em Paris”. Extremamente poético, Allen discute as “eras de ouro” de cada um de nós (nossos ídolos mais admirados, os costumes mais sonhados, os cenários mais charmosos, as conversas mais deliciosas). A metáfora onírica serve com precisão a este fim. Um dos melhores de toda a vasta carreira do eterno diretor. Oscar de Roteiro Original.
45) “OS SONHADORES”: Obra máxima do grande Bernardo Bertolucci. Um casal semi-incestuoso (tema clássico deste diretor) de irmãos franceses “seduz” um jovem americano (o excelente Michael Pitt) durante um protesto de amantes de Cinema, à época de Maio de 68. Os três vivem uma espécie de “triângulo”, sempre mediado pela História do Cinema (homenagem claríssima e central nesta obra-prima). A passagem dos personagens à vida adulta é questão primordial nos jogos eróticos e alegres do trio.
46) “ÔNIBUS 174”: Excelente doc de José Padilha, um de nossos melhores diretores. Contundente, sério e minucioso. A tragédia do sequestro de um ônibus na Zona Sul do Rio de Janeiro, sendo contada de forma a retratar a “invisibilidade” dos meninos de rua, e os horrores de suas história de vida. O sequestrador, na infância, assistiu à sua mãe ser degolada na porta de sua casa, e anos depois esteve entre os meninos da chamada “chacina da Candelária”, onde 8 adolescentes foram gratuitamente assassinados por policiais militares. No filme, destaque para a cena em q o sequestrador, mesmo drogado, liberta um jovem universitário, para q este possa estudar.
47) “MOACIR – Arte bruta”: Extremamente sensível. O diretor Walter Carvalho atinge a perfeição ao trazer um retrato tocante de um artista q contrariou o “pensamento” preconceituoso de sua vila (São Jorge), para inscrever suas pinturas no cenário mundial (foi descoberto por turistas alemães). Seus temas – sexualidade e diabos – causam horror na hipocrisia daquela sociedade, q quase consegue encarcerá-lo, literalmente. A sensibilidade de seu pai e de um ou outro na vila acaba por sustentar seus direitos humanos. Sua mãe, psicotizante, enfiava concretamente seu peito no garoto (Moacir tinha então 2 anos), quando este já não aceitava mais. É um homem da resistência, surdo de um ouvido, analfabeto e fanho, mas mais belo e forte do q a maioria das pessoas q já conheci. Já utilizei este filme várias vezes em aulas sobre a potência da psicose. Cheguei a visitar o próprio Moacir em São Jorge (Goiás), e encontrei um cenário triste: uma doença degenerativa o impede de continuar pintando. Terrível… Ainda assim, ele foi super gentil. Eternamente um resistente.
48) “SEPARAÇÕES”: O melhor de todos os filmes de Domingos Oliveira, um dos melhores diretores brasileiros. Com um escracho generalizado um tanto à la Woody Allen, o humor deste filme é ímpar. Reviravoltas com simplicidade e inteligência nos diálogos, Domingos arrasa todo e qualquer maniqueísmo, trazendo o desamparo e as tentações com igual intensidade entre homem e mulher. O respeito não panfletário à igualdade grita nos conflitos e agonias poéticas e histriônicas dos personagens, flertando com o patético mas encerrando na beleza demasiadamente humana dos casais.
49) “O INVASOR”: Belíssimo e extremamente preciso trabalho do diretor Beto Brant. Um tratado de Psicanálise sobre a relação da Neurose com a Perversão. Paulo Miklos (músico da banda “Titãs”) atua à perfeição como um matador q resolve “frequentar” a firma de 2 sócios q o contrataram para matar o terceiro. Falas inesquecíveis deste assassino (“Vou acabar com essa Bozolândia!”), olhares e tensões de poder minuciosamente colocados. Obra-prima irretocável.
50) “NOME PRÓPRIO”: O diretor Murilo Salles atinge o brilhantismo nesta obra impressionante, com um título perfeito. O nomadismo da protagonista incomoda o público, causando em muitos a sensação de q as escolhas da personagem seriam bizarras. Sua liberdade – não glamourizada – evidencia os aprisionamentos até dos espectadores menos preconceituosos. Virtuosismo notável da direção. Ler mais no post “Estilo X Pejorativismo (sobre ‘Nome Próprio’)”, aqui neste blog.
51) “A CULPA É DO FIDEL!”: Extremamente sensível retrato da infância de um casal de irmãos, durante o processo de inversão da visão política de seus pais. A diretora Julie Gavras (filha do grande Costa-Gavras, possivelmente o maior diretor de filmes políticos realizados até hoje) provavelmente vivenciou algo dos dramas da menina protagonista, perdida entre as perspectivas antigas e atuais de seus pais, além das de sua avó e da empregada da casa. Destaque para a cena em q os “barbas” (apelido dos amigos comunistas de seus pais) transmitem um ideal não capitalista à menina, através de uma proposta de escambo.
52) “EU MATEI A MINHA MÃE”: Obra-prima de um dos melhores diretores da atualidade, a então revelação Xavier Dolan. Impressionante imaginar um diretor iniciar sua carreira antes dos 20 anos, já com tanta consistência (além de assinar o roteiro e atuar como protagonista). A intensidade das discussões entre ele e sua mãe lembra algo de Ingmar Bergman (“Sonata de Outono”), porém com matizes latinas de um Almodóvar. Forte, retumbante e definitivo. Prêmio Regards Jeune em Cannes.
53) “O CHEIRO DO RALO”: O maior trabalho da vida de Selton Mello, um dos melhores atores brasileiros (chego a considerar q este filme, especificamente, não seria possível com outro ator). Articular traços psicóticos e perversos num único personagem – tarefa praticamente impossível – foi o q o diretor Heitor Dhalia conseguiu realizar, com precisão impressionante, na parceria com Selton.
54) “JOGO DE CENA”: Mais uma obra-prima do diretor Eduardo Coutinho. “Documentário” sobre as histórias de vida de algumas mulheres, apresentadas por elas próprias, depois por algumas atrizes conhecidas – as brilhantes Marília Pêra, Fernanda Torres e Andréa Beltrão – e subsequentemente por outras desconhecidas. Essa “bagunça” desconstrutiva provoca com bastante intensidade a desorganização do espectador. Ficam, entre outras, as questões: o q é o autêntico? O q é ficção? Estes são pontos bastante centrais na filmografia do mestre Eduardo Coutinho.
55) “MEDIANERAS”: Raríssimas vezes conseguimos ver no cinema uma comédia romântica inteligente. Articulando um excelente roteiro, personagens em perfeita sintonia, ótimas atuações, e ainda uma deliciosa e precisa trilha sonora, este filme argentino emociona, além, é claro, de inserir ao fundo a crônica crise financeira do país – retratada pelas próprias medianeras (paredes sem janela, onde no filme são abertas algumas proibidas, como um grito de fôlego), ou pelas raias entupidas de nadadores se esbarrando numa piscina, ou pelos objetos jogados no lixo por uns e recolhidos por outros. Destaque para a metáfora sutil e nada piegas da protagonista nunca conseguindo “achar Wally”, numa específica página de seu livro “Onde está Wally?” – exatamente como tudo na vida de cada um de nós, cronicamente nunca enxergamos os mesmos pontos cegos. Prêmio do Público da Mostra Panorama do Festival de Berlim.
56) “UM BEIJO ROUBADO”: Obra-prima do grande Wong Kar-Wai, subvalorizada pela crítica por soar piegas, supostamente menos vigorosa q seus filmes anteriores. Pois penso o exato contrário: suas ótimas obras anteriores incorriam no vício da melancolia sem saída, portanto até previsível. Em “Um Beijo Roubado”, o diretor coloca “luto” e “melancolia” num mesmo plano, como tramitações psíquicas não excludentes (assim como o melhor trecho do clássico texto freudiano “Luto e Melancolia”, mal interpretado por muitos, como se fosse “Luto ou Melancolia”). Além do brilhante roteiro, a cantora e protagonista Norah Jones empresta belíssimas músicas à trilha sonora. Como sublinha o cineasta, às vezes o “caminho mais longo” é o melhor e o único verdadeiro, assim como a transformação de um sujeito em análise.
57) “ASSASSINOS POR NATUREZA”: Complexo e contundente road movie sobre um casal de assassinos em série, vividos pelo excelente Woody Harrelson e por Juliette Lewis, ótima no papel. Além deles, Tommy Lee Jones e Robert Downey Jr. também dão um show. O roteiro e o ritmo intenso são sustentados brilhantemente ao longo de 2 horas de projeção. Obra-prima do grande Oliver Stone.
58) “NA VENTANIA”: Absurdante e impressionante filme praticamente mudo sobre os horrores do holocausto soviético na Estônia durante a 2a Guerra. De forma inédita e poética, o diretor Martti Helde transmite as micro sensações durante as perdas dos personagens, vividos por atores em “ação suspensa”, como se fosse um filme de fotografias. Com esta técnica, o espectador é instado a sentir a guerra por milímetro, sem direito a misturar os sons e pequenas tragédias num grande barulho indiferenciado. Como bônus, uma tese metapsicológica sobre a memória do traumático. Emocionante, sem tréguas ou atenuantes.
59) “ELLING”: Mais uma obra-prima nórdica praticamente desconhecida, garimpada num Festival do Rio. Um olhar singelo e cirúrgico sobre a psicose, surto e tratamento de inserção psicossocial. O protagonista, em brilhante atuação, transmite cada momento de ameaça persecutória, angústia delirante. O tratamento recebido pelo paciente (em Oslo, Noruega) é exemplar, raríssimo na realidade psiquiátrica mundial. Além de tudo, a estética e as emoções do filme são em “tons de bege” (ler mais no post “Cinema Bege, A Última Revolução no Cinema”, aqui neste blog), o q enobrece ainda mais a película como um todo.
60) “O BAILE”: Obra-prima máxima de Ettore Scola, uma pintura de filme. Cada baile num mesmo salão retratando a história da Europa a cada década – costumes, guerras, jogos de aproximação homem-mulher. A ênfase silenciosa em cada sutil movimento dos personagens emociona de forma sublime. Os mesmos atores fazem papeis diferentes a cada baile. Anos depois de ter visto o filme, ainda tenho vários personagens marcados em minha memória. Urso de Prata de Melhor Direção em Berlim.