Arte Noir à la Tarantino / Robert Rodriguez em “Garota Sombria Caminha pela Noite”

Uma grata surpresa este filme americano de uma diretora estreante, Ana Lily Amirpour, inglesa de pais iranianos. Estética noir de alta qualidade numa cidade industrial no Irã praticamente abandonada, “Bad City” (referência direta ao clássico “Sin City”, de Robert Rodriguez, a mais forte alusão do filme como um todo). As influências / homenagens são múltiplas e prazerosas: o protagonista lembra um James Dean mais tímido e discreto; as cenas de tensão entre a vampira e cada possível vítima são à moda western spaghetti; a trilha lembra Ennio Morricone nos clássicos de Sergio Leone, e noutros momentos homenageia os anos 80; o humor é muito ao estilo Tarantino. Resultado: um delicioso filme de arte do cinema dito fantástico.
A história, apesar de menos fundamental do q a forma, tem seu valor para compor a obra. Uma vampira no Irã (q tenderia a ser uma bizarrice) mata transeuntes noturnos, geralmente perdidos. Aos poucos, percebe-se q ela faz escolhas. O machismo de um traficante caricato expõe a falta de lugar da mulher naquele país. O pai do protagonista, viciado em heroína, flerta c/ a morte diariamente. Um menino expõe a carência de vínculos da cidade q morre (também metaforizada por um valão onde os mortos são jogados, ficando indefinidamente lá, em sua indigência sem saída). A prostituta de 30 anos vive a submissão masoquista à desesperança da mulher descasada naquela sociedade. A cidade padece na mórbida dependência de apenas uma única indústria ativa. Os últimos resquícios de amor e afeto são vividos até a última gota, tragicamente. O último a sair apague a luz. As trevas de uma vampira, portanto, são metáfora precisa, assim como a aridez de um “velho oeste”.
Quanto aos detalhes psicanalíticos, o modo de sedução não assumida ou sustentada de personagens histéricos (nunca confundir com gritaria ou surto, como entendidos no senso comum), assim como sua carência também desconhecida de si mesmos, formam um quadro marcante e recorrente nas tramas relacionais da história.
Enfim, um belo filme de arte a saborear, em seus mínimos detalhes, ao ritmo de um menu-degustação.