FESTIVAL 2018 (Dicas por estrear)

Aqui vão os destaques de todos os filmes a q assisti neste Festival do Rio 2018, começando pelos q mais me impactaram:

1) “A Queda do Império Americano”: O melhor de todos a q assisti no Festival, obra-prima do grande diretor Denys Arcand, completando a trilogia com “O Declínio do Império Americano” (1986) e “As Invasões Bárbaras” (2003). Sátira deliciosa sobre a ética e os ideais “americanos”, diante da tentação de enriquecer. Humor fino, ácido e extremamente inteligente. Imperdível.

2) “O Anjo”: Maravilhoso! Um thrillerpolicial  construído magistralmente pelo diretor e roteirista Luis Ortega. Na linhagem dos inesquecíveis “Butch Cassidy” e “Bonnie & Clyde”, o filme narra a trajetória de um doce e perverso (no sentido psicanalítico) jovem ladrão, numa escalada de roubos e ocasionais violências. Pasolini teria se apaixonado por este ator/personagem, de sexualidade quase tão aberta e sedutora quanto no clássico “Teorema”. Divertido, intenso, consistente, redondo. Imperdível.

3) “Angel Vianna – Voando com os pés no chão”: Extremamente tocante. A trajetória ímpar da grande bailarina, coreógrafa e professora de balé e dança contemporânea. Contado e dançado, este doc expõe de forma bastante sensível a biografia de Angel, em q pese alguns pequenos vícios de direção.

4) “Três Faces”: Excelente! Uma aula sobre histerias (Freud), através do olhar extremamente sensível do aclamado e perseguido político Jafar Panahi. O diretor e protagonista viaja com uma amiga atriz em busca de uma jovem admiradora desta, q teria tentado suicídio. Intenso e divertido, leve e verdadeiro, tudo ao mesmo tempo. Aula de cinema.

5) “White Boy Rick”: Excelente! A história real de um jovem de 15 anos q se torna informante da polícia federal americana, infiltrado numa gangue de traficantes de drogas. Intenso e atuado de forma brilhante pelo garoto (Richie Merritt) e seu pai (o fora-de-série Matthew McConaughey).

6) “El Motoarrebatador”: Ótimo. Dois ladrões de moto assaltam uma senhora, q, por não largar sua bolsa, acaba sendo arrastada pelos dois na moto. Após o fato, um deles se arrepende e tenta encontrar a senhora em algum hospital. Verdadeiro, sem recorrer a clichês ou pieguices, expõe as diferenças sociais de modo quase seco, além de antimaniqueísta.

7) “Kusama – Infinito”: Ótimo doc sobre Yayoi Kusama, uma das artistas mais importantes do mundo. Seus trabalhos sempre provocaram forte impacto social, por afrontarem preconceitos diversos (machismo, racismo, etc). Como vários outros artistas, sua psicose permite uma hiperdisponibilidade criativa, comumente inacessível à grande maioria dos neuróticos. Hoje vive num hospital psiquiátrico, saindo constantemente para trabalhar.

8) “Cafarnaum”: A incrível história de um menino de 12 anos q cuida dos irmãos, abandona os pais abandonadores para viver com refugiados e processa aqueles, para q não tenham mais filhos. Fortíssimo, tocante e real. Imperdível.

9) “A Casa que Jack Construiu”: Muito bom. Extremamente agressivo, como quase tudo q o cineasta Lars von Trier já realizou no cinema, porém um pequeno tom abaixo dos seus últimos filmes. Muito atento à mediocridade humana, ressalta com grande acidez suas raivas, preconceitos e desprezos, através de situações patéticas. Apesar de todo o niilismo do diretor, a qualidade artística é inegável.

10) “Guerra Fria”: A história de um músico e suas utopias, e uma cantora q vai de camponesa a celebridade. Durante as tensões do pós-guerra na Polônia stalinista, os dois conduzem suas carreiras, paixão e aprisionamentos políticos. O clássico, trágico e belo encontro de um obsessivo com uma histérica. Um Romeu e Julieta freudiano, muito bem filmado pelo diretor Pawel Pawlikowski, vencedor do prêmio em Cannes.

FESTIVAL 2015 (Dicas por estrear)

1) “Dora ou as Neuroses Sexuais de Nossos Pais” (O melhor dos q assisti no Festival. Excelentes atuações, história interessante, direção precisa. A protagonista, brilhante no papel, sofre de algum tipo de retardo mental. Seus pais, muito afetivos, oscilam entre um amor simbiótico e uma permissividade sempre flertante com grandes riscos. O ápice da tensão se inicia quando a menina começa a ter seus primeiros sinais de tesão. A discussão sobre se o amante de Dora é estuprador ou tipo pedófilo, ou se é apenas um pegador q apenas não tá apaixonado, é perfeita. A questão dos preconceitos fica instigante do início ao fim.)

2) “Betinho” (Belíssimo, irretocável!! Mais q um documentário muito bem feito, é um “autorretrato” de um lindo ser humano, ativo, à frente de seu tempo, sempre lutando contra tuberculose, hemofilia ou AIDS, e por seu país. Responsável direto pela revolução da posição do Brasil no tratamento à soropositividade e à fome da população. Emocionante do início ao fim.)

3) “Micróbio & Gasolina” (Excelente. Bela fábula sobre o início da adolescência, através da amizade de 2 meninos pouco populares e extremamente criativos. Diálogos inteligentíssimos do diretor Michel Gondry, da obra-prima “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”.)

4) “11 Minutos” (Excelente. Câmera puramente artística, filma histórias em torno de um acontecimento, algo como “Amores Brutos”. A diferença é q na obra-prima de Iñárritu há valorização das histórias de cada personagem. Aqui, em “11 Minutos”, o diretor polonês enfatiza o instante mais do q os personagens. Sua câmera insiste em nos confrontar com uma tensão q prescinde da tragédia. A cada tomada aérea de uma simples travessia dum pedestre num sinal fechado pros carros, prenuncia um grave acidente. E nada acontece. Sucessivas vezes. Tal como o recurso da repetição da eterna coreógrafa Pina Bausch, é só através do mesmo q percebemos, enfim, aquilo do q se trata. Brilhante.)

5) “Fátima” (Excelente. Brilhante direção de Philippe Faucon, q faz de um roteiro ultra simples uma história tocante, recheada de sutilezas. Uma doméstica árabe e suas 2 filhas tentando viver dignamente na França. O diretor vai explicitando sua intenção de não focar os dramas, mas falar através deles. Não aponta para nenhuma dissolução de impasses, ao contrário, passeia por eles lindamente. Imperdível.)

6) “O Homem Novo” (Ótimo. Documentário sobre Stephanie, um travesti q militou pela revolução sandinista na Nicarágua, dando aulas de alfabetização desde os 8 anos. Agora, aos 42, tenta fazer a cirurgia de “mudança de sexo”. Ao descobrir seu irmão no FB, volta à Nicarágua p/ ver a família após mais de 20 anos, de onde saiu ainda com identidade masculina. Ótima câmera, sem apelações para a glamourização da miséria.)

7) “A Obra do Século” (Ótimo. Um filme de alto nível, retratando a claustrofóbica relação de 1 homem de 30 anos, seu pai de 50 e o avô de 70, numa cidade abandonada por um megaprojeto interrompido de uma usina nuclear em Cuba. As acaloradas discussões entre os 3 remetem ao clima de “Sonata de Outono”, clássico do denso Bergman. A relação simbiótica do pai e do avô tem tons de “A Professora de Piano”. O filme só não é brilhante por um leve problema no ritmo.)

8) “Aos 14”  (Ótimo. Referência quase direta ao clássico “Aos Treze”, remete tb a “Spring Breakers”, “Ken Park”. A insegurança da adolescência provocando fortes oscilações emocionais e constantes situações de risco com álcool, drogas ilícitas e violência.)

9) “Anomalisa” (Muito bom. Charlie Kaufman – renomado roteirista de “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” – dirige seu 2o filme, uma animação em tons depressivos e ácidos sobre um palestrante motivacional q mergulha em sua falência afetiva, buscando desesperadamente em cada mulher reencontrar um “verdadeiro” sentido em sua vida.)

10) “A Aula Vazia” (Muito bom. 11 curtas de diferentes diretores sobre as questões em torno da evasão escolar na América Latina. As primeiras 2 ou 3 histórias são fracas, mas jogo em seguida os curtas vão melhorando sensivelmente. No cômputo geral, a qualidade é bem interessante.)

11) “Mon Roi” (Muito bom. Grandes atuações, especialmente pelo excelente Vincent Cassel, de “O Ódio”, “Irreversível, etc. Com estes atores e a interessante história do ingênuo apaixonamento obcecado duma mulher por um sedutor q passeia entre a perversão e a histeria, o diretor poderia ter feito um filme brilhante. Mas apresentou diversas nuances da questão, ao invés de aprofundar uma delas. Pena, mas ainda assim vale conferir.)

12) “Chicas Nuevas 24 horas” (Bom. Documentário estilo padrão sobre as raízes da prostituição em 5 países. Questões fortes – como escravidão e tortura – levantadas, especialmente no final, de forma bastante abrangente, trazendo inclusive a rejeição das famílias às meninas q conseguem escapar de seus cativeiros.)

13) “Paulina” (Bom. A discussão sobre a onipotência de uma filha transgressora q não percebe homenagear seu pai a cada vez q o contraria, até quando passa por um episódio de horror. Remete a “Manderlay” e “Dogville”, onde um pai diz à filha: “Sua arrogância é achar q suporta qualquer dor.”)

14) “Tudo Vai Ficar Bem” (Bom. Por considerar Wim Wenders o melhor diretor de todos os tempos, sempre espero algo próximo de uma obra-prima. A história de um escritor autocentrado após atropelar um menino apresenta uma melancolia q não é sustentada pelos atores escolhidos por Wenders, especialmente James Franco. As exceções são a excelente e sempre depressiva Charlotte Gainsburg – a única a suportar Lars von Trier 3 vezes – e os atores q fazem seu filho.)

15) “Malala” (Bom. Documentário sobre a bela e trágica história da vencedora do Nobel da paz por sua luta pelos direitos femininos à educação, proibidos pelo regime talibã. Apesar da força da história, o diretor não consegue transmitir emoção.)

“Cinema bege”, a última revolução no Cinema

Assim como o clássico “Dogma 95” – movimento cinematográfico criado na Dinamarca por Lars von Trier e Thomas Vinterberg q propunha a restrição dos “truques técnicos” como novo traço estilístico -, gostaria de aqui sugerir q o último grande movimento revolucionário no cinema mundial é o q chamarei de “cinema bege”, ou mais genericamente falando, cinema nórdico, por ser o polo de tal inovação.

Bege seria o símbolo icônico de uma discursividade onde intensas emoções são retratadas numa estética radicalmente “não-latina”. Os “vermelhos de Almodóvar”, emblemas visuais tipicamente latinos, expressam tais intensidades com inegável beleza (como a “fecundação gráfica” entre o enfermeiro Benigno e a bailarina em coma em “Fale com Ela”, minha cena preferida na História do Cinema). Enquanto esta estética foi sendo incorporada pelo paladar internacional, o século 21 apresentou-nos a joia do cinema bege.

Na contramão dos vermelhos latinos, o cinema nórdico traz “O Homem sem Passado” (Aki Kaurismaki; 2001), “Histórias de Cozinha” (Bent Hamer; 2003), “Elling” (Per Christian Ellefsen; 2001), “Além do Desejo” (Pernille Fischer Christensen; 2006) “Em um Mundo Melhor” (Susanne Bier; 2010), “Caro Sr. Horten” (Bent Hamer; 2007), “Submarino” (Thomas Vinterberg; 2010), “1001 Gramas” (Bent Hamer; 2014), este último esteve em cartaz no Festival do Rio 2014.

A partir dos supracitados, fica claro q o diretor expoente do cinema bege é Bent Hamer. E o filme-alusão máxima deste novo estilo é “Histórias de Cozinha”, onde uma empresa contrata freelas para ficarem de “observadores não-participantes” no cotidiano de cozinhas de proprietários q aceitaram um dinheiro para oferecerem suas casas à pesquisa. O objetivo era descobrir “quantos passos uma pessoa dá entre cada atividade do dia-a-dia na cozinha”, para daí então criar a “cozinha perfeita”, com os eletrodomésticos dispostos da maneira mais geograficamente prática (?!…) A partir desta premissa nonsense, o diretor nos apresenta uma belíssima história do nascimento de uma amizade entre observador e observado. Numa dança silenciosa, em tons pastel (bege), nós espectadores somos inundados com jorros de afetos e afetações, numa estética extremamente sutil, q nada perde em intensidade para nenhum vermelho latino.

Diferentemente do minimalismo de um excelente cinema “oriental” (“Primavera, Verão, Outono, Inverno e… Primavera”, de Kim Ki-duk, por exemplo), q se utiliza de uma câmera microscópica para enfatizar sutilezas, este cinema nórdico transmite as intensidades dos personagens através da cena como um todo – cenário, silêncios, movimentos leves, olhares ao fundo.

Como o filósofo moçambicano José Gil – q considero o mais importante da atualidade – nos coloca em seu texto “Abrir o Corpo”, nós “ouvimos com o corpo”. Grande articulador da Psicanálise com a Dança, Gil propõe q pensemos nosso corpo como poroso, num sentido forte do termo, enfatizando assim nossa recepção de sensações (ao q ele nomeou “pequenas percepções”). São micro sutilezas, como as “inutilezas” do poeta Manoel de Barros.

Cinema bege, José Gil e Manoel de Barros, belíssimas variações discursivas sobre a beleza sutil do humano, percebido à despeito de recursos de ênfase.