“Amores Inversos”, excelente filme, surpreendente desde o princípio. Uma governanta/babá (Kristen Wiig, incrível no papel) – extremamente tímida, obsessiva, retraída e apagada -, é contratada para cuidar por uma nova família. Os traços perversos da adolescente da casa e uma amiga desta (ainda pior), constroem um romance imaginário da governanta com o pai da menina de q ela cuida. A partir daí, a feminilidade da babá sai do armário, do apagamento e ousa apostar numa vida erotizada pela 1a vez. Enquanto isso, o pai da menina (vivido por Guy Pearce, ótimo) vive afundado nas drogas, numa culpabilização perpétua por ter causado o acidente q matou sua mulher.
O improvável encontro entre ele e a babá desperta-os inusitadamente. As diferenças de estilo e de fragilidades entre os dois instigam novas possibilidades emocionais em cada um. O filme ressalta a repercussão deste contraste radical de subjetividades, disruptiva para todos.
O despertar causado pela alteridade é também o tema de “Tudo Pode Dar Certo” (2009), maravilhoso filme de Woody Allen. À moda antiga, relembrando os tempos anteriores a seu contrato com a Miramax (quando passou a incluir um quê hollywoodiano em suas obras, desde “Match Point”, em 2005), Allen apresenta um tragicômico encontro de um velho turrão (lembrando o lendário Walter Matthau) com uma jovem perdida na vida. Daqui também irrompem transformações subjetivas impensáveis até então. “Whatever works”, como diz o título original (pra variar mal traduzido), caminhos sui generis que levam as pessoas a novas perspectivas. Assim pensava Sándor Ferenczi (o psicanalista q mais admiro), ao criar estratégias bastante heterodoxas em situações clínicas muito complexas.
Quando pensamos “Tal pessoa nunca faria análise”, ou “Isso não tem nada a ver com aquela pessoa”, mostramos apenas nosso vício de enxergar somente o que já aparece em alguém. O potencial humano sempre está para além de qualquer vislumbre, inclusive de um psicanalista, que, na melhor das hipóteses, se surpreende diariamente com seus analisandos, que transcendem até suas apostas mais positivas.
Woody Allen nunca teme esbarrar em possíveis pieguices para insistir em sua aposta na revolução humana. “Amores Inversos” também não. Ambos imperdíveis.