Sobre o Oscar 2016, considerações…

Que o Oscar é uma premiação extremamente tendenciosa, q quase nunca laureia filmes não americanos, todos sabem. Porém, além de alguns filmes bons – nem tantos -, o mega evento tem o mérito de provocar q o mundo todo tente ver pelo menos um ou outro, emitir opinião, e quem sabe assistir junto com amigos. Ou seja, expandir o cinema.

Por conta disso, resolvi aqui colocar meus preferidos, dentre os indicados:

1) Filme Estrangeiro: A cada ano q passa, este segue sendo o único “braço” sério do Oscar. Praticamente todos os indicados são de alto nível. Neste ano, todos os 5 filmes são ótimos (como assisti a todos, comentarei com mais detalhes). Considero “Filho de Saul” e “Cinco Graças” um pouco abaixo dos outros três. Os dois melhores são “Guerra” e “O Lobo do Deserto”, sendo o primeiro um pouquinho melhor, mais complexo. Em terceiro lugar viria “O Abraço da Serpente”, também muito bom.

2) Melhor Filme: “A Grande Aposta” foi superior aos demais. Inteligente, dinâmico, divertido, criativo e com excelentes atuações (destaque para Steve Carell, impressionante, e para Christian Bale, um dos melhores atores da atualidade). Em segundo lugar, o excelente “O Quarto de Jack”, surpreendente. “Spotlight”, just ok; “O Regresso”, risível (faz lembrar do esquete “Joseph Climber”).

3) Melhor AtorEddie Redmayne, de “A Garota Dinamarquesa”, foi brilhante, apesar do filme ser todo previsível. Se o Oscar tende a premiar alguém 2 anos seguidos? Sem comentários, o importante é a atuação, claro. DiCaprio está apenas ok em “O Regresso”.

4) Melhor DireçãoAdam McKay, de “A Grande Aposta”. Escolheu grandes atores, trabalhou bem o roteiro, enfim, tudo bem orquestrado. Em segundo lugar, Lenny Abrahamson, de “O Quarto de Jack”, q abrilhantou e sofisticou uma história já conhecida. Os outros estão bem, à exceção de Iñárritu, um dos melhores do mundo, mas q patina feio em “O Regresso”, transformando uma história interessante num filme cômico e constrangedor.

5) Melhor Animação: “Divertida mente”, justo, inegável. Uma das melhores animações de todos os tempos. Mereceria ganhar também os oscars de Melhor Filme, Roteiro Original e Direção. Extremamente inteligente, parece um tratado de metapsicologia, riquíssimo, engraçado, complexo, dinâmico, envolvente. Perfeito. Em segundo lugar, “Anomalisa”, do fora-de-série Charlie Kaufman.

6) Melhor Roteiro Original: “Divertida mente”, por todos os motivos supracitados, vários degraus acima dos demais. Em segundo lugar, “Ex machina”, muito bom. “Spotlight” é interessante, mas não brilhante.

7) Melhor Roteiro Adaptado: “A Grande Aposta”, justo. Fez toda a diferença esta adaptação, tornando uma história interessante num tratado sobre a mediocridade geral. Em segundo lugar, “O Quarto de Jack”, pelos mesmos motivos do outro filme, porém um pouco abaixo.

8) Melhor Atriz: Brie Larson, de “O Quarto de Jack” está bem, mas nada q merecesse tanto. Charlotte Rampling, de “45 anos”, está surpreendentemente mal. Eu premiaria Jennifer Jason Leigh, de “Os Oito Odiados”, q considero ter sido protagonista, não coadjuvante.

9) Melhor Ator Coadjuvante: Christian Bale, de “A Grande Aposta”, sempre brilhante. Já mereceu o Oscar de Melhor Ator Principal algumas vezes, como em “O Operário”. Os outros estão bem, à exceção de Sylvester Stallone, obviamente fraquíssimo.

10) Melhor Atriz CoadjuvanteJennifer Jason Leigh, de “Os Oito Odiados”, incomparável. Já q concorreu como coadjuvante, q pelo menos ganhasse. Papel marcante, atuação brilhante; começa discreta e vai crescendo bem suavemente, até praticamente dominar o filme. Quanto a Alicia Vikander, de “A Garota Dinamarquesa”, é um dos maiores absurdos deste Oscar. Atuação fraquíssima, de ponta a ponta, sem conseguir sequer se beneficiar do fato de contracenar com Eddie Redmayne, soberbo em seu papel.

11) Melhor Fotografia: “O Regresso”, justo. O único prêmio q este filme merecia. Em segundo lugar, “Os Oito Odiados”.

 

Enfim, quanto às outras premiações, “Amy” (melhor documentário) é interessante apenas pela história da protagonista, não tanto como filme, por não ter sido tão bem dirigido.

Quanto aos outros prêmios ditos “técnicos”, eu os dividiria entre “Star Wars – O despertar da força”, “Mad Max – Estrada da fúria” e “Ex Machina”, todos muito bem realizados neste aspecto.

Pra finalizar, tocante ver Ennio Morricone (do clássico “Três Homens em Conflito”) ser laureado pela primeira vez pela trilha sonora de “Os Oito Odiados”, e agradecer a John Williams (“Tubarão”), q já coleciona 5 estatuetas, também concorrendo por “Star Wars – O despertar da força”. O prêmio deveria ser excepcionalmente dividido pelos dois monstros sagrados da história do cinema.

O Novo Cinema Soviético (“Tangerines” e “A Ilha do Milharal”)

O Oscar premia todo tipo de filme: de obras-primas como “O Poderoso Chefão” e “Onde os Fracos Não Têm Vez”, a equívocos como “Quem Quer Ser um Milionário?” e “Argo”. Dos eternos Al Pacino e Jack Nicholson, aos fracos Jeff Bridges e Cuba Gooding Jr. Das brilhantes Julianne Moore e Judi Dench, às sem adjetivos Sandra Bullock e Kim Basinger. Isso para citar apenas os anos mais recentes. Mas considero q, sem sombra de dúvidas, o legado mais respeitável e o único praticamente infalível desta premiação tendenciosa se refere aos indicados a filme estrangeiro.

Irônico q o maior espetáculo hollywoodiano erre pouco apenas no cinema não americano… Quando digo q é um braço bastante preciso de premiação, me refiro apenas ao fato de q praticamente todos os indicados são excelentes filmes, pérolas q renderam prazeres inesquecíveis. Claro q há uma lista infindável de obras-primas sem menção neste Oscar, como “A Professora de Piano” (meu filme preferido) e tantos outros (ver mais no post “Grande Lista de Filmes”, aqui neste blog). Igualmente descontemplados são atores como Isabelle Huppert (a melhor atriz do mundo, incomparável), Mathieu Amalric e Ricardo Darín.

Entre os 9 pré-indicados pra 2015 (além dos 5 finalistas, os outros também têm grande valor), além do brilhante polonês “Ida” (merecidamente vencedor), do unânime argentino “Relatos Selvagens” e do ótimo sueco “Força Maior”, houve outras 2 belas surpresas q descobri através desta fonte: “Tangerines” (representante da Estônia) e “A Ilha do Milharal” (da Geórgia). Dois países da extinta União Soviética, ainda sem tradição no cenário mundial, dois excelentes filmes de arte. Ambos trazem a guerra da Abecásia (na Geórgia) como pano de fundo.

No primeiro, estoniano, pessoas abandonam suas casas diante de um panorama de guerra. Um senhor de 60 anos (o protagonista) decide ficar em sua terra, não acompanhando sua família na emigração. Certo dia, dois soldados entram em sua casa, em tom sutilmente intimidador. Bem tratados, saem agradecidos, levando pão e água. No dia seguinte, tiroteio em frente à propriedade. Os 2 lados em guerra saem baleados, quase todos mortos. O senhor carrega um soldado baleado (um dos q ele havia recepcionado na véspera), abrigando-o num de seus quartos. Quando ia enterrando os outros, descobre mais um ainda vivo e também o acolhe. A questão é q este é do exército q lutava contra o outro…

Como o primeiro combatente se recupera mais rápido dos ferimentos, avisa ao “velho” (modo como ele se dirige ao dono da casa) q matará o outro soldado, responsável pela morte de seu companheiro no combate. O senhor escuta, calado. No dia seguinte, diante da mesma ameaça, replica: “Dentro da minha casa não permitirei.” O soldado, surpreso, acata: “Assim q ele botar a cara pra fora da casa, eu o mato.” O senhor permanece em silêncio.

A cada dia q passa, o senhor vai transmitindo valores, apenas através do seu modo de cuidar dos 2 homens. As raras palavras q fala são para conter os instantes tensos entre os antagonistas, à beira das vias de fato. Após uns dias, o senhor faz uma provocação ao primeiro combatente: “Se o outro botar o pau pra fora da casa pra mijar, vc atira no pau?” O soldado nada diz, quase como se quisesse sorrir. Mais tarde, fazem um churrasco no quintal, numa espécie de trégua tácita. Até chegar o dia em q precisariam lutar do mesmo lado. (Aí deixo para vcs assistirem, já adiantei demais…)

A beleza do diretor é orquestrar vários personagens obsessivos num pequeno cenário também obsessivo (onde cada detalhe pode de fato acabar em tragédia), em um contexto maior de tensão bélica no país, e ainda assim apresentar ao espectador a sensibilidade afetiva emanada pelo personagem do senhor e, gradativamente, percebida e recebida pelos dois soldados. Tudo isso numa linguagem extremamente contida, em todos os sentidos. Belíssimo. A eloquência “bege” do cinema nórdico (ver mais no post “’Cinema bege’, a última revolução no cinema”, aqui neste blog) conversa de perto com este “cinema soviético”.

O segundo filme, “A Ilha do Milharal”, apresenta um belo e duro cenário pós-guerra onde um velho camponês descobre uma “nova ilha” – na estação de baixa do volume de água de um rio, “nascem” micro ilhas –, com boas condições de plantio. Constrói sozinho a estrutura de uma casa de madeira, depois traz sua neta para juntos finalizarem sua nova morada, e uma plantação de milho no espaço restante da “ilha”.

A partir daí, tensões do pós-guerra e do amadurecimento da púbere menina são trabalhadas com extrema delicadeza e precisão. É bastante possível traçar um paralelo com “Primavera, Verão, Outono, Inverno e… Primavera”, obra-prima de Kim Ki-duk, onde um velho e um garoto atravessam as 4 estações como metáfora das agruras do crescimento, tudo num belíssimo cenário duma ilha entre montanhas. Mais uma vez, todos esses filmes apresentam suas questões através de personagens extremamente obsessivos, sempre com gestual minimalista.

Dois belíssimos filmes expondo intensidades emocionais em relações obsessivamente delicadas, com economia e eloquência. Quem sabe até um novo polo cinematográfico.